A autonomia do Direito Agrário

autonomiaO jurista, por natureza, é um cientista. Isto porque se graduou estudando uma das mais dinâmicas ciências sociais existentes, o Direito. Muito além de um sem fim de normativos frios, o Direito é ciência social que deve refletir o espaço-tempo-social (SANTOS, c2019), daí seu dinamismo.

Portanto, o cientista jurídico deve, antes de tudo, compreender a ciência que manipula profissionalmente para não cair em equívocos técnicos que maculam sua atuação e podem comprometer o resultado final da ciência aplicada.

Particularmente, no direito agrário, mais relevante ainda é a compreensão adequada da ciência que tem por objetivo tratar das questões jurídicas do agronegócio, setor este que se apresenta como um dos principais pilares da economia nacional.

Misturando uma grande pitada de marketing e desconhecimento técnico-científico, muito se fala hoje em “direito do agronegócio”, instituto que não existe. Passou perto de existir através de um capítulo nebuloso do projeto do novo Código Comercial, mas felizmente o texto foi retirado do projeto.

Em verdade, vários ramos do direito aplicam-se ao agronegócio, tendo como base o direito agrário. Portanto, correto é referir-se ao direito aplicado ao agronegócio, nomenclatura esta escolhida pela jurista Rafaela Parra para titular obra coletiva por ela organizada, da qual este autor felizmente fez parte.

O “direito do agronegócio”, portanto, não existe porque o conceito não cumpre os requisitos para autonomia alguma. Ao contrário, o direito agrário é dotado de autonomia, a qual se apresenta em três das quatro esferas possíveis, segundo Benedito Ferreira Marques (2017, p. 10-13), autor este que nos utilizamos para demonstrar os requisitos da autonomia.

Segundo o mencionado autor, a autonomia jurídica apresenta-se nos aspectos legislativo, científico, didático e jurisdicional. Na realidade brasileira, não se verifica a autonomia jurisdicional porquanto não existe uma justiça especializada para atender suas demandas, assim como existe a justiça do trabalho.

Entretanto, verificam-se algumas varas agrárias espalhadas pelo país, notadamente em regiões que apresentam mais conflitos desta natureza. Destaco a Vara Agrária de Bom Jesus – PI, que está sediada em região de profundos conflitos fundiários, o que justifica sua instalação naquele local.

A autonomia legislativa do direito agrário surgiu pela EC nº 10, de 10/11/1964, que acrescentou à CF de 1946 a competência legislativa da União sobre o direito agrário. Já na sequencia foi promulgado o Estatuto da Terra, considerado por muitos juristas o nosso código agrário, ainda em vigor.

Quanto à autonomia científica, verificamos no direito agrário a existência de princípios e normas próprias que não se confundem com os demais ramos do direito. A principiologia do direito agrário, aliás, é bem demonstrada por Sérgio Resende de Barros (c2010):

Logo, para completar-se como disciplina autônoma, deve o direito agrário desenvolver a sua Principiologia Agrária. Caso contrário, será ramojurídico em emancipação, mas não ainda emancipado como disciplina jurídica. Aqui se vê a importância da principiologia. Não para o direito agrário, apenas. Mas para o aperfeiçoamento de qualquer ramo jurídico.

(…)

O direito agrário regulamenta no seu objeto formal certos processos culturais que estão no seu objeto material, como a divisão racional da terra rural e a fixação do homem no campo. Daí, que os submete a certos princípios gerais. Veja-se. O módulo rural é um princípio geral de divisão racional da terra rural. Enunciando: a terra rural deve ser dividida com observância do módulo rural. A propriedade familiar é um princípio geral de fixação do homem no campo. Enunciando: o homem deve ser fixado no campo por observância da propriedade familiar, isto é, mediante esta. Assim por diante, cada processo cultural agrário tem os seus princípios gerais. Assim também, a cada instituto jurídico agrário corresponde, no mínimo, um princípio geral agrário, específico dele. O princípio é informado pelo instituto na sua origem, para informar depois na sua destinação.

Por fim, a autonomia didática é facilmente observada nas instituições de ensino jurídicas, que disponibilizam no curso de direito a disciplina, bem como as inúmeras pós-graduações agraristas hoje existentes no mercado. Além do mais, a produção literária sobre o direito agrário tem crescido consideravelmente nos últimos anos, fruto do interesse dos profissionais jurídicos no setor agropecuário.

Portanto, é indiscutível a autonomia do direito agrário, que se apresenta como ramo constitucional do direito brasileiro desde os anos 60. Por esta razão, ao jurista que pretende desbravar as questões jurídicas do agronegócio, mostra-se fundamental o estudo científico do direito agrário, que não pode nunca ser confundido com conceitos mercantis e marqueteiros utilizados pelo mercado.

FRANCISCO TORMA, ADVOGADO AGRARISTA.

BARROS, Sérgio Resende de. AUTONOMIA DO DIREITO AGRÁRIO BRASILEIRO. Disponível em <http://www.srbarros.com.br/pt/autonomia-do-direito-agrario-brasileiro.cont&gt;

MARQUES, Benedito Ferreira. MARQUES, Carla Regina Silva. DIREITO AGRÁRIO BRASILEIRO. 12. ed, rev. atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017.

SANTOS, Dulcineia Moreira dos. A CIÊNCIA DO DIREITO E O DIREITO COMO CIÊNCIA SOCIAL. Disponível em <https://domtotal.com/direito/pagina/detalhe/32802/a-ciencia-do-direito-e-o-direito-como-ciencia-social&gt;

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