por Tuany Vieira*
É importante falarmos sobre a carne mais consumida no mundo, como ocorre o seu processo de rastreabilidade e a importância de que esse processo seja efetivo no Brasil. Para isso, alguns dados são importantes para essa análise: segundo o DEPEC (Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco), com dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), a carne suína correspondeu em 2018 a 42,9% do consumo mundial[1]. Também, conforme informações do relatório do Mercado de Suínos realizado em 2019 pela ABCS (Associação de Criadores de Suínos do Brasil) com dados coletados pelas fontes do USDA e do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o Brasil está em 4º lugar como maior produtor de carne suína do mundo com produção de 4,117 mil toneladas, correspondente a 3,88% da produção mundial, ficando atrás apenas da China que ocupa o primeiro lugar, União Europeia e EUA em segundo e terceiro lugares consecutivamente. O Brasil está na quarta posição no ranking de países que mais exportam carne suína no mundo e ocupa o 21º lugar na classificação de consumo da mesma carne.
Com essas informações é possível notar o papel importante e expressivo do país em relação à produção da carne suína. A conquista pelo quarto lugar como maior produtor dessa carne a nível mundial se deu por fatores de qualidade, tecnologia, cadeia produtiva organizada e preocupada com as questões de sanidade, procedência e segurança alimentar. Porém, mesmo que o Brasil seja destaque quando se fala em produção de carne, ainda nos deparamos com dificuldades na instituição de um modelo padrão de procedimento e regulamentação da rastreabilidade e certificação da carne suína, fator esse que pode atrapalhar a conquista de novos mercados, a maior valorização do produto, a confiança do consumidor no mercado internacional e doméstico. Isso porque a rastreabilidade da carne suína apresenta algumas peculiaridades e se torna mais difícil tornar seu processo mais eficiente.
O consumidor deseja o maior número de informações sobre o que está consumindo, o mercado internacional faz diversas exigências para atestar a sanidade do produto, governos precisam da identificação para que não hajam fraudes, produtores para o melhoramento genético e também para qualidade e controle, empresas comerciais e varejo, pois se beneficiam de maior segurança quanto a procedência do produto em caso de responsabilização civil. Não bastante isso, ainda há os surtos de doenças e epidemias nos animais, casos como a BSE (encefalopatia espongiforme bovina), a gripe aviária H5N6, febre aftosa e a peste suína africana atualmente ocorrendo na China, tornam o rastreio ainda mais necessário. São por esses motivos a importância de se concretizar um padrão de certificação e rastreabilidade da carne suína, bem como ocorre com a carne bovina (SISBOV) que já conquistou maior evolução neste quesito.
É importante destacar que o Brasil possui rastreabilidade para carne suína produzida, mas o que se pretende analisar aqui é a falta de padronização e a importância do melhoramento deste rastreio, já que o Brasil exporta para diversos países como China, Rússia e Japão, e cada um possui suas exigências e características específicas. Associado a tais exigências individuais, implementar o rastreio e certificação padronizados torna o mercado interno mais atrativo e seguro para os consumidores externos e domésticos, elevando inclusive o índice de consumo, também para evitar investimentos desnecessários por parte dos seus participantes, já que cada indústria abatedora possui suas exigências.
A rastreabilidade na suinocultura possui algumas falhas:
No Brasil, a rastreabilidade utilizada é realizada sem o uso efetivo da informatização, com a utilização de identificadores como brincos plásticos, tatuagens ou o corte de ponta de orelha. Muitos dados coletados são adquiridos de forma manual com baixo nível de confiabilidade, e grau elevado de dificuldades nas trocas de informações. Os custos destes métodos são expressivamente mais acessíveis, mas facilmente manipuláveis, e bem menos confiáveis[2].
O uso da tecnologia, como por exemplo, a utilização da amostra do DNA animal para testes futuros, o uso de uma etiqueta ou Tag de RFID (objeto que pode ser colocado no animal, onde envia informações deste) seriam soluções assertivas para esse problema. Implementar sistemas eletrônicos e eficientes se torna mais produtivo e seguro uma vez que minimiza que dados incorretos sejam repassados em todo processo da cadeia produtiva, além de proporcionar segurança já que esses dados estarão armazenados e trarão maior facilidade, pois elimina processos manuais, sendo possível a integração desses dados com outros sistemas em cada fase do processo: laboratório, criação, transporte, industrialização, comercialização e consumo. Assim, o alcance da rastreabilidade se torna eficiente quando é possível identificar em qualquer fase do processo, em um produto ou subproduto qualquer irregularidade ou possível problema antes de chegar à mesa do consumidor.
Em contrapartida, os custos envolvidos neste controle são maiores e demandam maior tempo, pois o volume de dados coletados é muito grande. Haveria uma disparidade entre grandes indústrias que poderiam dispor do processo, geralmente por possuírem também a criação integrada, em relação aos produtores independentes, onde muitos, não dispõem de recursos financeiros suficientes para implantação dessas tecnologias.
Com isso, a certificação e a rastreabilidade não devem ser vistas apenas como diferenciais do produto agregando-se valor a este e repassando-se ao consumidor, elas são um meio de propagar segurança e minimizar riscos à saúde, portanto é necessário trabalho conjunto entre as entidades públicas, criadores de suínos, indústrias e empresas do setor para que não haja maior oneração na produção da carne tornando-a inviável tanto para quem produz, quanto para quem a consome.
Torna-se necessário debater alternativas para que haja a efetiva relação entre o custo e o benefício de novas tecnologias e novos sistemas, é importante salientar que por não possuirmos a padronização do rastreio, muitas indústrias exportadoras acabam investindo em processos para adaptarem-se as exigências tanto do mercado interno quanto do mercado externo, tais investimentos já poderiam estar sendo direcionados para a rastreabilidade padronizada caso já a tivéssemos. Por não possuirmos, ficam essas mesmas empresas sujeitas a ter de realizar novos investimentos futuros. Além disso, a rastreabilidade e a certificação têm o objetivo de garantir a segurança alimentar, a sanidade, a procedência, manter os mercados já atingidos e expandir novos mercados e ainda fomentar o consumo interno.
*TUANY VIEIRA é Advogada e Consultora. Graduada em Direito pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (Frederico Westphalen-2016). MBA em Gestão Financeira, Controladoria e Auditoria pela FGV (Chapecó-2018). Pós-graduanda Direito Agrário e Agronegócio pela FMP. Membra da União Brasileira de Agraristas Universitários – UBAU e integrante da Comissão Nacional das Mulheres Agraristas da UBAU – CNMAU.
REFERÊNCIAS:
[1] NSC Total, Carne suína: mercado doméstico ainda é um gigante a ser conquistado. 2020. Disponível em: < https://www.nsctotal.com.br/noticias/carne-suina-mercado-domestico-ainda-e-um-gigante-a-ser-conquistado>. Acesso em: 02 mai. 2020.
[2] DOS SANTOS., A. R. Rastreabilidade “Do Laboratório à mesa” – Um estudo da cadeira produtiva da indústria de carne suína na empresa Doux”. Tese (Mestrado em Administração) – Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul. p.55.ano 2011.