por Pedro Puttini Mendes*
De fato, a atividade agrária está sujeita ao risco agrobiológico, por isso vista sob a ótica da teoria da agrariedade, cujos riscos estão fora de controle do produtor rural, todavia, nem sempre oscilações climáticas e gafanhotos ameaçam a produção, mas também a curiosidade humana, como no caso dos girassóis.
Dos incas (1000 a.C.) à Van Gogh (1888), os girassóis despertam a atenção humana tanto para a agricultura, como para a arte, onde os indícios históricos apontam o saudosismo inca com a planta, moldando objetos em ouro em referência aos girassóis pela sua convergência com o sol, cultuado por eles, aliás, a Helianthus annuus, até mesmo em seu nome faz seta referência, do grego ‘helios’ Sol e ‘anthos’ flor, como de fato, se vira nesta direção.
Uma planta cuja flor, ou melhor, um conjunto de flores dispostas de acordo com um esquema em espiral, chega a ter aproximadamente 30 cm de diâmetro e 3 metros de caule.
Trata-se de mais uma interessante atividade agrária que compõe o portifólio agrícola brasileiro, incidindo também uma questão de zoneamento, determinando a melhor época de semeadura por regiões, com boa adaptação no Rio Grande do Sul e, em safrinha, no Centro-Oeste.
Segundo a Embrapa[1], a média mundial é de cerca de 1.300 kg/ha, enquanto no Brasil, pela falta de zoneamento agroclimático e fitossanitário, além da assistência técnica pouco capacitada, a produtividade média está em torno de 1.500 kg/ha, acima da média mundial, podendo chegar a 2.000 kg/ha em condições de campo e regiões com mais tradição de cultivo.
A entidade destaca ainda a viabilidade do cultivo em safrinha, antes da cultura principal, substituindo, parcialmente, o milho ou o sorgo, com maior tolerância ao estresse hídrico, o que é interessante no Centro-Oeste brasileiro.
Outrossim, são comercializados principalmente nos estados de Mato Grosso, Minas Gerais, Goiás, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Paraná, Bahia e Ceará. Deste cultivo, extrai-se óleo comestível, biodiesel, fonte de proteínas para alimentação animal na forma de farelo e até como silagem, grãos para alimentação de pássaros, grãos para confeitaria, mercado ornamental, dentre outros subprodutos.
Não obstante, o excesso de saudosismo ao girassol até os dias atuais tem trazido problemas aos produtores de girassóis, cujas propriedades são invadidas pelos descendentes incas em rituais fotográficos que motiva alguns comentários sobre ações possessórias neste texto.
Pode parecer inusitado ou engraçado, mas é assunto, sobretudo jurídico, uma grave violação jurídica de direitos possessórios em desfavor dos proprietários, arrendatários ou parceiros destas áreas.
Na reportagem[2], chama atenção a quantidade de pessoas, mesmo em época de pandemia, se aglomerando nestes plantios de girassol para tirar fotos, invadindo propriedades privadas, ultrapassando cercas divisórias, destruindo cercas, porteiras e acessos, abrindo “picadas” ou “trilheiros” em meio à plantação, destruindo girassóis, descartando resíduos sólidos na área (lixo) e também gerando situações de vias de fato como as agressões físicas e verbais contra os donos, arrendatários, parceiros e funcionários destas fazendas que tentam conter este momento fotográfico criminoso.
Cabe então aos gestores destas áreas, repensar os cuidados em época de florada destes girassóis, através de algumas medidas jurídicas que chamamos de ações possessórias e vamos explicar alguns pontos.
As ações possessórias estão previstas no Código de Processo Civil, resumindo-se em três: a reintegração de posse, a manutenção de posse e o interdito proibitório.
A diferença é a seguinte. Na reintegração de posse, cabe quando o possuidor é removido compulsoriamente do bem possuído, chamado de esbulho possessório.
Na manutenção de posse, há o “exercício dificultado” da posse por atos materiais do ofensor, a chamada turbação possessória.
E no interdito proibitório, cabe quando o legítimo possuidor da área, está na iminência de sofrer ameaça de turbação ou de esbulho, o que é o caso.
As ações possessórias são importantes para garantir a posse, prevendo, nos litígios coletivos, até mesmo o comparecimento do magistrado, Ministério Público e órgãos responsáveis, na área onde se situa o litígio (art. 565, §4º, CPC).
Por isso, é recomendável socorrer-se às ações possessórias comprovando a possibilidade de ocorrência destas situações para que seja emita uma ordem de proibição de entrada sob pena das respectivas consequências legais, autorizando o uso de força policial imediata, alertando aos turistas por meio de placas e outras medidas sobre esta situação e que poderá ser cumprida esta decisão com o reforço policial.
Para comprovação destas situações, servem tanto notícias, como boletins de ocorrência e até mesmo a própria ciência agronômica que já comprova antecipadamente a época da florada, quando possivelmente será um litigioso atrativo.
Aos turistas é importante dizer que, não só poderão ser incriminados por crimes contra invasão e dano de patrimônio alheio, como também poderão ser demandados nestas ações possessórias, pois têm natureza dúplice, ou seja, além da proteção possessória, a indenização pelos prejuízos de turbação ou esbulho cometido pelo autor, lembrado ao proprietário também que poderá somar referido pedido possessório com o de indenização por perdas e danos e indenização de frutos.
Não se propõe o fim da admiração às belezas naturais do girassol, mas apenas mais alguns comentários agraristas para demonstrar a importância e os cuidados com mais uma das atividades agrícolas que engrandece o país, girassol é agro!
*Pedro Puttini Mendes é advogado (OAB/MS 16.518), Consultor Jurídico e Professor nas áreas de Direito Agrário, Ambiental, Família e Sucessões. Graduado em Direito (2008) e Mestre em Desenvolvimento Local (2019) pela Universidade Católica Dom Bosco. Pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil pela Anhanguera (2011). Cursos de Extensão em Direito Agrário, Licenciamento Ambiental e Gestão Rural. Apresentador do quadro “Direito Agrário” para o Canal Rural. Colunista de direito aplicado ao agronegócio para a Scot Consultoria. Organizador das obras “Agronegócio: direito e a interdisciplinaridade do setor” (Editora Contemplar, 2018) e “O direito agrário nos 30 anos da Constituição de 1988” (Editora Thoth, 2018). Escreveu em coautoria as obras “Direito Ambiental e os 30 anos da Constituição de 1988” (editora Thoth, 2018); “Direito Aplicado ao Agronegócio: uma abordagem multidisciplinar” (Editora Thoth, 2018); “Constituição Estadual de Mato Grosso do Sul – explicada e comentada” (Editora do Senado, 2017). Membro e Representante da União Brasileira de Agraristas Universitários (UBAU), Membro fundador da União Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA). Foi Presidente da Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócio da OAB/MS e membro da Comissão do Meio Ambiente da OAB/MS entre 2013/2015.
[1] https://www.embrapa.br/girassol
[2] https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2020/06/01/policia-e-chamada-apos-longa-fila-de-carros-se-formar-para-tirar-fotos-em-plantacao-de-girassois-em-joanopolis.ghtml
Fonte das imagens: G1.