Guilherme Medeiros*
Recentemente, o Governo Federal promoveu ajustes significativos no acesso aos principais financiamentos agrícolas por meio de mudanças no Manual de Crédito Rural (MCR), mediante as Resoluções 5087, 5092 e 5093 do Conselho Monetário Nacional (CMN). Essas resoluções trazem modificações específicas que podem impactar o acesso ao crédito rural de forma mais direta, sobretudo para produtores que buscam financiamento através do Fundo de Terras e da Reforma Agrária ou que desejam adquirir máquinas e implementos agrícolas. Este artigo analisa as principais mudanças propostas nas Resoluções 5087, 5092 e 5093 e explora suas implicações para o produtor rural, a fim de compreender se tais alterações tornam o acesso ao crédito rural mais fácil e barato ou se poderá se tornar mais caro para o setor.
Uma das principais mudanças promovidas pela Resolução 5087 refere-se ao acesso ao Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp), operacionalizado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O limite de renda bruta para enquadramento no programa foi elevado de R$ 2,4 milhões para R$ 3 milhões, o que aparentemente ampliaria o leque de produtores elegíveis para o Pronamp. Entretanto, um requisito adicional estabelecido pela resolução é que, para acessar o Pronamp, o candidato ao financiamento precisa ter 80% de sua renda bruta anual proveniente da atividade agropecuária. Essa medida exclui médios produtores cuja maior parte da renda advém de outras profissões, como médicos, advogados ou engenheiros, impossibilitando-os de acessar as linhas de crédito do programa, o que pode obstaculizar um considerável contingente de produtores rurais para o acesso a este programa, encarecendo o crédito rural na prática, na medida em que os obriga a buscar linhas de crédito com taxas de juros mais elevadas.
Outra mudança relevante diz respeito às regras para emissão de recursos captados através de LCAs. De acordo com os novos termos, foi aumentada a exigibilidade de 35% para 50% de aplicação das LCAs em empréstimos para o setor rural. Anteriormente, 30% dos recursos das LCAs deveriam ser aplicados em operações de crédito tradicional, com juros livres, e os outros 70% poderiam ser cumpridos com o financiamento dos títulos. Entretanto, o CMN elevou o percentual que precisa ser cumprido por meio de crédito tradicional para 50%, reduzindo o alcance da aplicação dos recursos das LCAs para financiar operações como as Cédulas de Produto Rural (CPRs) em apenas 50%. Essa medida é vista com maus olhos por grande parcela do mercado financeiro, que via nas LCAs uma opção atrativa por serem isentas de imposto de renda ao aplicador. Com essa alteração, o CMN busca fortalecer o crédito tradicional, mas pode gerar um impacto no custo do crédito para o produtor rural, em situações onde as condições sejam menos vantajosas do que as oferecidas pelas LCAs.
Com o aumento da exigibilidade dos recursos obrigatórios, incluindo LCAs e poupança rural, o governo espera uma receita adicional significativa para financiamentos ao agronegócio. Apenas com o aumento da exigibilidade dos recursos da poupança rural, estima-se uma receita de R$ 23 bilhões a mais, e com as LCAs, R$ 26 bilhões adicionais, gerando mais recursos para as linhas de crédito do Plano Safra e da Agricultura Familiar. No entanto, é necessário analisar como esse aumento na oferta de recursos será refletido nas taxas de juros das operações de crédito, especialmente aquelas provenientes do crédito tradicional, para compreender se o acesso ao crédito rural será facilitado ou se poderá se tornar mais caro para o produtor rural.
Passemos agora a observar as mudanças promovidas pela Resolução 5092 no Manual de Crédito Rural. O novo texto promove mudanças significativas nas regras para contratos de financiamento feitos com o Fundo de Terras e da Reforma Agrária. Detalhes específicos sobre as mudanças nas taxas de juros, prazos e demais condições ainda são aguardados para análise detalhada. Entretanto, é importante destacar que a intenção do CMN é tornar o acesso ao crédito rural mais facilitado para esse segmento de produtores, o que pode beneficiar a expansão da agricultura familiar e o desenvolvimento do setor agropecuário.
A Resolução 5093 veda a contratação de crédito com recursos da poupança rural para adquirir máquinas ou implementos que possam ser financiados no Moderfrota, uma linha de crédito voltada para a aquisição de máquinas e equipamentos agrícolas modernos. Essa restrição tem o objetivo de separar as atribuições de cada linha de crédito, a fim de otimizar a utilização dos recursos e evitar sobreposições de financiamentos. Com essa medida, o CMN busca direcionar os recursos da poupança rural para outros fins, o que pode afetar o acesso dos produtores rurais a determinados equipamentos agrícolas financiados anteriormente por essa fonte.
Portanto, é possível dizer sem receio de erro, que estas resoluções têm potencial para redefinir as condições de acesso ao crédito rural. Primeiramente, a elevação do limite de renda bruta para enquadramento no Pronamp, por um lado, parece ampliar a possibilidade de acesso, mas a exigência de que a maior parte da renda seja proveniente da atividade agropecuária pode limitar o alcance desse programa. Além disso, a alteração nas regras para emissão de LCAs pode influenciar o custo do crédito para o setor, caso as taxas de juros nas linhas de crédito tradicional sejam menos vantajosas. É importante monitorar os desdobramentos dessas mudanças nos próximos meses para avaliar seu impacto real no setor agropecuário e no bolso do produtor rural. A ampliação do acesso ao Fundo de Terras e da Reforma Agrária, por meio da Resolução 5092, pode impulsionar a agricultura familiar e fortalecer o desenvolvimento rural. No entanto, é fundamental acompanhar a publicação dos detalhes específicos dessa mudança para avaliar seu impacto real. Por outro lado, a vedação de contratação de crédito da poupança rural para máquinas e implementos financiados pelo Moderfrota, conforme a Resolução 5093, pode limitar as opções dos produtores na aquisição desses equipamentos, podendo resultar em um custo maior de financiamento caso tenham que buscar outras linhas de crédito com taxas de juros distintas.
É importante monitorar os desdobramentos dessas mudanças nos próximos meses para avaliar seu impacto real no setor agropecuário e no bolso do produtor rural. Em virtude do cenário de escassez de oferta de recursos, talvez seja útil olhar em volta e buscar fontes privadas de financiamento, se estas instituições financeiras forem sábias para construir estratégias competitivas em um cenário de regras estanques.
FONTES BIBLIOGRÁFICAS:
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Conselho Monetário Nacional. Resolução n.º 5087 de 29 de Junho de 2023. Diário Oficial da União, Edição Seção 1, pg. 48, de 3 de Julho de 2023.
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Conselho Monetário Nacional. Resolução n.º 5092 de 20 de Julho de 2023. Diário Oficial da União, Edição 139, Seção 1, pg. 68, de 24 de Julho de 2023.
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Conselho Monetário Nacional. Resolução n.º 5093 de 20 de Julho de 2023. Diário Oficial da União, Seção 1, pg. 48, de 24 de Julho de 2023.
WALLENDORF, Rafael. Bancos consideram “retrocesso” resolução do CMN sobre LCA. Globo Rural, 30 de Junho de 2023. Disponível em: <https://globorural.globo.com/politica/noticia/2023/06/bancos-consideram-retrocesso-resolucao-do-cmn-sobre-lca.ghtml >. Acesso em: 27 de Julho de 2023.
SINIMBU, Fabíola. Governo faz ajustes em programas de concessão de crédito rural. Agência Brasil, 24 de Julho de 2023. Disponível em: < https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2023-07/governo-faz-ajustes-em-programas-de-concessao-de-credito-rural >. Acesso em 02 de agosto de 2023.
*Guilherme das Neves Medeiros, Advogado, Professor de Direito Agrário, Especialista em Crédito Rural certificado pela Febraban – Federação Brasileira de Bancos.

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