Por Elizabeth Almeida*

Inicialmente, é importante compreender o termo “Agribusiness” (agronegócio), que vem da língua inglesa e surgiu em 1957 a partir dos estudos de dois professores da Universidade de Havard, John Davis e Ray Goldberg. Eles conceituaram “Agribusiness” como: a soma das operações de produção e distribuição de suprimentos, das operações de produção nas unidades agrícolas, do armazenamento, processamento e distribuição dos produtos agrícolas e itens produzidos a partir deles (Goldberg Davis, 1957)

Neste sentido, entende-se que o Agronegócio é o conjunto de atividades que abrangem a agricultura em todas as suas esferas, nas suas etapas: “antes, durante e depois das porteiras das fazendas”, onde há desde a concessão de condições ao produtor rural, para que este possa exercer sua atividade na produção agrícola (antes da porteira), passando pelo preparo e manejo do cultivo agrário (dentro da porteira), até a chegada da fase “depois da porteira” que trata de todo escoamento dessa produção até a chegada ao consumidor final. 

É notório que o agro envolve uma cadeia imensa de produção, composta por diversos Sistemas Agroindustriais que amparam todos os produtos de origem vegetal ou animal, e que possuem cadeias específicas conforme cada tipo de produção.

O enfoque principal desse artigo é tratar sobre as relações contratuais existentes na fase do “dentro da porteira”, onde existem situações que precisam ser formalizadas para que haja uma segurança jurídica, nas negociações celebradas entre produtores rurais, mais especificadamente, nas pautas que envolvem os contratos agrários típicos como os arrendamentos rurais e as parcerias. 

Tais contratos são de suma importância na cadeia do agronegócio pois se relacionam de forma direta com a exploração da terra para o efetivo exercício da atividade agrária.

1. INTRODUÇÃO AOS CONTRATOS AGRÁRIOS

Antes de adentar efetivamente nas especificidades dos contratos agrários, necessário se faz compreender a parte geral desses instrumentos.

Silvio de Salvo Venosa em uma de suas obras, faz a seguinte introdução ao tema:

Quando o ser humano usa de sua manifestação de vontade com a intenção precípua de gerar efeitos jurídicos, a expressão dessa vontade constitui-se num negócio jurídico. 

Os negócios jurídicos são formalizados através de contratos, que são definidos como sendo a manifestação de vontade consensual de duas partes ou mais, sobre determinado objeto com a finalidade de criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações. 

Assim, para que um contrato seja considerado efetivamente válido, ou seja, para que ele produza seus efeitos jurídicos, é necessário o preenchimento de alguns requisitos indispensáveis que estão previstos no artigo 104 do Código Civil. São eles: 

Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

I – agente capaz;

II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

III – forma prescrita ou não defesa em lei.

O artigo 1º, também do Código Civil, menciona que para a celebração de um contrato, as partes interessadas devem ser plenamente capazes de exercer pessoalmente seus direitos e responder por suas obrigações perante a ordem civil. 

Além disso, o objeto de tal negócio não pode atentar contra a lei, a moral ou os bons costumes, como também, ser algo possível, determinado ou determinável.

Ainda, a fim de cumprir todas imposições mencionadas no artigo citado, eles devem possuir forma prescrita ou não defesa em lei, que consiste na forma com que o agente irá expressar seu desejo no negócio. Em regra, o Código Civil estabelece que a forma dos contratos é livre e deve ser especial sempre a lei exigir de maneira expressa.

Desse modo, poderão as partes celebrar o contrato pela forma escrita ou verbal, por instrumento público ou particular, como bem lhes aprouver, exceção feita aos casos em que a lei, por motivo específico, exija a forma escrita, pública ou particular. (Reis, 2021)

No que tange aos contratos agrários, o tema é abordado de maneira específica no ramo de Direito Agrário, podendo ser complementado no Código Civil. Esse instituto se consolidou através da promulgação da Lei nº 4.506 de 30 de novembro de 1964, o chamado “Estatuto da Terra”. Com a criação desse novo ramo do Direito, o Estado brasileiro passou a regular a matéria fazendo com que a terra e as relações dela procedentes fossem observadas. 

Os contratos agrários são institutos do Direito Agrário e se baseiam no acordo de vontade celebrado entre as partes, normalmente produtores rurais, a fim de viabilizar a concessão do uso ou posse temporária de determinada propriedade rural.

Trata-se de uma relação jurídica que rege os direitos e obrigações dos sujeitos integrantes na atividade agrária. Tais contratos estão regulados nos artigos 92 a 96 do Estatuto da Terra, como também nos artigos 13 a 50 do Decreto n.º 4.947, de 6 de abril de 1966.

As atividades agrárias são exercidas em propriedades rurais devidamente aptas à exploração da terra e por muitas vezes, o produtor rural (pessoa física ou jurídica) não é proprietário do imóvel no qual se pretende executar determinada atividade produtiva. E é exatamente aí, que se nota a importância dos contratos agrários nas relações existentes na cadeia do agronegócio, pois é a partir deles que esses negócios jurídicos podem ser devidamente formalizados e trazerem segurança para ambas as partes.

Em uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referente ao Censo Agropecuário em 2017, verificou-se um número expressivo de estabelecimentos que desenvolvem algum tipo de exploração agrária por intermédio de contratos agrários:

Tabela 1 – Condição legal do produtor rural brasileiro em relação à terra utilizada, de acordo com dados do Censo Agropecuário 2017

Condição do produtor em relação às terrasCenso 2017
Proprietário76%
Concedido por órgão fundiário5%
Arrendatário6%
Parceiro3%
Ocupante3%
Produtor sem área1%
Comodato6%
TOTAL100%

IBGE, Censo Agropecuário 2017 – Adaptado.

Observa-se que, em geral, os agricultores possuem a propriedade dos imóveis rurais. No entanto, há uma porcentagem significativa em relação ao acesso às terras por não-proprietários, em que as negociações são efetivadas através de contratos agrários, como são os casos do arrendamento, parceria e o comodato.

2. CARACTERISTÍCAS DOS CONTRATOS AGRÁRIOS

Conforme dito anteriormente, os contratos agrários tem como objetivo a concessão do uso ou posse temporária de determinada propriedade rural.

Estes contratos são regidos por algumas características gerais e podem ser classificados como sendo contratos bilaterais, consensuais, não solenes e onerosos: 

  1. São bilaterais pois as obrigações dos contratantes são recíprocas;
  2. Consensuais porque há o simples consentimento das partes para formação do contrato;
  3. No que tange a não solenidade significa dizer que estes contratos não necessitam de uma forma especial para a sua validade;
  4. Já a onerosidade se dá em razão da reciprocidade e encargos gerados nos respectivos contratos.

Ainda no que tange à classificação, eles podem ser típicos/nominados ou atípicos/inominados. 

Os contratos típicos, também denominados como nominados, são reconhecidos por trazerem em sua essência certa rigidez formal. Como exemplo: o arrendamento e a parceria rural, que têm seus conceitos elencados na lei agrária, e serão abordados de forma mais aprofundada no próximo tópico.

 Os atípicos ou inominados, por sua vez, não são regulados especificadamente pela lei, mas surgem conforme as necessidades e peculiaridades de cada caso. Vale ressaltar, que esses casos são amparados pelas regras gerais e princípios do Direito Agrário. Nesta modalidade há, a título de exemplo, o contrato de comodato rural, em que há a cessão não onerosa de algum bem, móvel ou imóvel infungível, por tempo determinado ou não, devendo tal bem, ser restituído posteriormente. O artigo 579 do Código Civil define comodato como sendo o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis. Perfaz-se contra a tradição do objeto. Assim, essa espécie de contrato deve ser tratada de acordo com as regras gerais de comodato, elencadas nos arts. 579 a 585 do Código Civil, com as peculiaridades do direito agrário.

Destarte, quer no contrato típico, quer no contrato atípico, parte-se de um plano geral de existência, validade e eficácia como em qualquer outro negócio jurídico. Examinam-se os requisitos orientadores da parte geral do Código e da teoria geral das obrigações e dos contratos. Se o contrato for típico, podem as partes valer-se das normas descritas na lei, a elas nem mesmo devendo fazer menção. Em se tratando de normas não cogentes, se em um contrato típico pretenderem as partes dispor diferentemente, poderão fazê-lo, mas isso deverá ficar expresso. Na ausência de manifestação de vontade acerca de particularidades de um contrato típico, aplicamos as disposições da lei. Se o contrato é atípico, devem as partes tecer maiores minúcias na contratação, porque a interpretação subjacente será mais custosa e problemática numa omissão, justamente porque não existe um molde legal. Como veremos, há regras que se observam para suprir essa ausência. (Sílvio de Salvo Venosa, 2013).

3. PRINCIPAIS MODALIDADES DE CONTRATOS AGRÁRIOS TÍPICOS

Conforme mencionado no tópico anterior, o arrendamento e a parceria são espécies de contratos que são classificados como típicos ou nominados. Dessa forma, é de suma importância compreender suas definições.

O contrato de arrendamento é uma forma de aluguel, em que o proprietário do imóvel rural, ou a pessoa que detenha a posse dele, cede seu uso e gozo, por um determinado período ou não, mediante pagamento. Sendo essa, sua característica principal.

O art. 3.º do Decreto n.º 59.566 de 14 de novembro de 1966, caracteriza arrendamento rural como:

contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de imóvel rural, parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, outros bens, benfeitorias e ou facilidades, com o objetivo de nêle ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa ou mista, mediante, certa retribuição ou aluguel, observados os limites percentuais da Lei.

O arrendamento define-se na cessão onerosa do uso e do gozo de imóvel rural, em parcelas ou não, incluindo ou excluindo outros bens, benfeitorias e outras facilidades, com a finalidade de exercer atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista. (Reis, 2021).

As partes envolvidas nessa espécie de contrato podem ser tanto o proprietário, como quem detenha a posse ou quem tenha a livre administração do imóvel rural, quanto quem exerça qualquer atividade agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista, conforme mencionado no artigo citado acima.

Ainda, é importante ressaltar que para a celebração deste, e qualquer outro negócio jurídico, é imprescindível que sejam preenchidos os requisitos dispostos no art. 104 do Código Civil, como mencionado do tópico 1 deste artigo.

Os contratantes são definidos como “arrendador” que é aquele quem cede o uso do imóvel rural, e o “arrendatário” que é aquele quem se utiliza da área para exercer atividade rural.

Ambos possuem obrigações que devem ser respeitadas e em caso de descumprimento, haverá infrações e punições, cabendo até mesmo a rescisão contratual.

A legislação estabelece também que o arrendatário deve se atentar quanto à preservação das florestas e ao término do contrato ele deverá devolver o imóvel da forma como o recebeu. 

Existem várias espécies de arrendamento, sendo alguns deles:

  1. Arrendamento agrícola – é o mais comum, celebrado para cultivo de grãos;
  2. Arrendamento pecuário – utilizado para criação de gado;
  3. Arrendamento misto – pode abranger mais de uma variedade de exploração, dentre outras modalidades.

O artigo 95 do Estatuto da Terra dispõe que alguns quesitos legais devem ser observados no contrato de arrendamento rural, o qual segue transcrito:

Art. 95. Quanto ao arrendamento rural, observar-se-ão os seguintes princípios:

I – os prazos de arrendamento terminarão sempre depois de ultimada a colheita, inclusive a de plantas forrageiras temporárias cultiváveis. No caso de retardamento da colheita por motivo de força maior, considerar-se-ão esses prazos prorrogados nas mesmas condições, até sua ultimação;

II – presume-se feito, no prazo mínimo de três anos, o arrendamento por tempo indeterminado, observada a regra do item anterior;

III – o arrendatário, para iniciar qualquer cultura cujos frutos não possam ser recolhidos antes de terminado o prazo de arrendamento, deverá ajustar, previamente, com o arrendador a forma de pagamento do uso da terra por esse prazo excedente;                     

IV – em igualdade de condições com estranhos, o arrendatário terá preferência à renovação do arrendamento, devendo o proprietário, até 6 (seis) meses antes do vencimento do contrato, fazer-lhe a competente notificação extrajudicial das propostas existentes. Não se verificando a notificação extrajudicial, o contrato considera-se automaticamente renovado, desde que o arrendador, nos 30 (trinta) dias seguintes, não manifeste sua desistência ou formule nova proposta, tudo mediante simples registro de suas declarações no competente Registro de Títulos e Documentos; 

V – os direitos assegurados no inciso IV do caput deste artigo não prevalecerão se, no prazo de 6 (seis) meses antes do vencimento do contrato, o proprietário, por via de notificação extrajudicial, declarar sua intenção de retomar o imóvel para explorá-lo diretamente ou por intermédio de descendente seu; 

VI – sem expresso consentimento do proprietário é vedado o subarrendamento;

VII – poderá ser acertada, entre o proprietário e arrendatário, cláusula que permita a substituição de área arrendada por outra equivalente no mesmo imóvel rural, desde que respeitadas as condições de arrendamento e os direitos do arrendatário;

VIII – o arrendatário, ao termo do contrato, tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis; será indenizado das benfeitorias voluptuárias quando autorizadas pelo proprietário do solo; e, enquanto o arrendatário não for indenizado das benfeitorias necessárias e úteis, poderá permanecer no imóvel, no uso e gozo das vantagens por ele oferecidas, nos termos do contrato de arrendamento e das disposições do inciso I deste artigo; 

IX – constando do contrato de arrendamento animais de cria, de corte ou de trabalho, cuja forma de restituição não tenha sido expressamente regulada, o arrendatário é obrigado, findo ou rescindido o contrato, a restituí-los em igual número, espécie e valor;

X – o arrendatário não responderá por qualquer deterioração ou prejuízo a que não tiver dado causa;

XI – na regulamentação desta Lei, serão complementadas as seguintes condições que, obrigatoriamente, constarão dos contratos de arrendamento:

a) limites da remuneração e formas de pagamento em dinheiro ou no seu equivalente em produtos; 

b) prazos mínimos de arrendamento e limites de vigência para os vários tipos de atividades agrícolas; 

c) bases para as renovações convencionadas;

d) formas de extinção ou rescisão;

e) direito e formas de indenização ajustadas quanto às benfeitorias realizadas;

XII – a remuneração do arrendamento, sob qualquer forma de pagamento, não poderá ser superior a 15% (quinze por cento) do valor cadastral do imóvel, incluídas as benfeitorias que entrarem na composição do contrato, salvo se o arrendamento for parcial e recair apenas em glebas selecionadas para fins de exploração intensiva de alta rentabilidade, caso em que a remuneração poderá ir até o limite de 30% (trinta por cento).

No que concerne aos prazos do contrato de arrendamento, eles podem ser por tempo determinado ou indeterminado. No entanto, caso as partes optem pelo período indeterminado, elas deverão respeitar a regra constante no inciso II, do artigo citado, que fixa um prazo mínimo de três anos para o término dos contratos nessa modalidade. 

A lei confere direito de preferência ao arrendatário, em igualdade de condições com estranhos, na qual ele terá prioridade na renovação do arrendamento. Para tanto, o proprietário deverá fazer-lhe uma notificação extrajudicial com até seis meses antes do vencimento do contrato. Caso contrário, o contrato será automaticamente renovado, desde que o arrendador não formule nova proposta ou até mesmo manifeste a desistência no negócio, nos trinta dias seguintes ao término do prazo da notificação. 

O arrendador poderá também, declarar a intenção de retomar o imóvel para uso próprio ou por intermédio de seus descendentes, nessa hipótese, o contrato não será renovado.

É admitida a possibilidade de subarrendamento, circunstância em que o arrendatário cede o uso do imóvel rural arrendado à uma terceira pessoa, mas, para que isso ocorra, sempre deverá haver o consentimento expresso do proprietário.

Uma das principais características dessa espécie contratual é a cessão onerosa do imóvel rural, em que a remuneração poderá ser em dinheiro ou na entrega de produtos, desde que seja ajustado entre as partes e respeite o preço corrente do mercado. Frise-se que no arrendamento, a obrigação do pagamento pelo arrendatário permanece mesmo que ele não tenha bons resultados na exploração da atividade agrária exercida, ficando o produtor sujeito aos riscos e comportando perdas e danos.

Por fim, o inciso XII prevê a limitação do preço do arrendamento, que não poderá ser superior a 15% (quinze por cento) do valor cadastral do imóvel, com ressalva da hipótese de exploração intensiva, quando se autoriza o ajustamento da remuneração até o limite de 30% (trinta por cento) do valor cadastral do imóvel. 

Importante salientar que o contrato de arrendamento deve obrigatoriamente contar com a anuência de todos os proprietários, inclusive coproprietários, do imóvel, bem como de seus cônjuges. Deverá também, ser averbado à margem da matrícula do imóvel. 

Passando agora para análise do contrato de parceria rural, esta modalidade tem sua definição descrita no art. 4.º do Decreto n.º 59.566 de 14 de novembro de 1966:

contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso especifico de imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, benfeitorias, outros bens e ou facilidades, com o objetivo de nêle ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa vegetal ou mista; e ou lhe entrega animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias primas de origem animal, mediante partilha de riscos do caso fortuito e da fôrça maior do empreendimento rural, e dos frutos, produtos ou lucros havidos nas proporções que estipularem, observados os limites percentuais da lei (artigo 96, VI do Estatuto da Terra)”.

Nessa relação contratual o proprietário ou não do imóvel, também denominado parceiro outorgante, cede o uso da terra ao parceiro outorgado, partilhando com ele os riscos advindos do caso fortuito e da força maior, bem como dos frutos advindos do negócio celebrado.

Existem algumas espécies de parceria rural, dentre elas:

  1. Parceria agrícola, em que há a cessão do uso do imóvel rural, ou partes do mesmo, para o cultivo de grãos;
  2. Parceria pecuária, utilizada para cria, recria ou engorda de gado;
  3. Parceria mista – que é aquela que pode abranger mais de uma variedade de exploração, dentre outras modalidades.

O Estatuto da Terra, em seu artigo 96, dispõe que alguns requisitos que devem ser observados no contrato de parceria, como segue transcrito:

Art. 96. Na parceria agrícola, pecuária, agro-industrial e extrativa, observar-se-ão os seguintes princípios:

I – o prazo dos contratos de parceria, desde que não convencionados pelas partes, será no mínimo de três anos, assegurado ao parceiro o direito à conclusão da colheita, pendente, observada a norma constante do inciso I, do artigo 95;

II – expirado o prazo, se o proprietário não quiser explorar diretamente a terra por conta própria, o parceiro em igualdade de condições com estranhos, terá preferência para firmar novo contrato de parceria;

III – as despesas com o tratamento e criação dos animais, não havendo acordo em contrário, correrão por conta do parceiro tratador e criador;

IV – o proprietário assegurará ao parceiro que residir no imóvel rural, e para atender ao uso exclusivo da família deste, casa de moradia higiênica e área suficiente para horta e criação de animais de pequeno porte;

V – no Regulamento desta Lei, serão complementadas, conforme o caso, as seguintes condições, que constarão, obrigatoriamente, dos contratos de parceria agrícola, pecuária, agro-industrial ou extrativa:

a) quota-limite do proprietário na participação dos frutos, segundo a natureza de atividade agropecuária e facilidades oferecidas ao parceiro;

b) prazos mínimos de duração e os limites de vigência segundo os vários tipos de atividade agrícola;

c) bases para as renovações convencionadas;

d) formas de extinção ou rescisão;

e) direitos e obrigações quanto às indenizações por benfeitorias levantadas com consentimento do proprietário e aos danos substanciais causados pelo parceiro, por práticas predatórias na área de exploração ou nas benfeitorias, nos equipamentos, ferramentas e implementos agrícolas a ele cedidos;

f) direito e oportunidade de dispor sobre os frutos repartidos;

VI – na participação dos frutos da parceria, a quota do proprietário não poderá ser superior a:

a) 20% (vinte por cento), quando concorrer apenas com a terra nua;                

b) 25% (vinte e cinco por cento), quando concorrer com a terra preparada;                 

c) 30% (trinta por cento), quando concorrer com a terra preparada e moradia;                   

d) 40% (quarenta por cento), caso concorra com o conjunto básico de benfeitorias, constituído especialmente de casa de moradia, galpões, banheiro para gado, cercas, valas ou currais, conforme o caso;                   

e) 50% (cinqüenta por cento), caso concorra com a terra preparada e o conjunto básico de benfeitorias enumeradas na alínea d deste inciso e mais o fornecimento de máquinas e implementos agrícolas, para atender aos tratos culturais, bem como as sementes e animais de tração, e, no caso de parceria pecuária, com animais de cria em proporção superior a 50% (cinqüenta por cento) do número total de cabeças objeto de parceria;                     

f) 75% (setenta e cinco por cento), nas zonas de pecuária ultra-extensiva em que forem os animais de cria em proporção superior a 25% (vinte e cinco por cento) do rebanho e onde se adotarem a meação do leite e a comissão mínima de 5% (cinco por cento) por animal vendido

g) nos casos não previstos nas alíneas anteriores, a quota adicional do proprietário será fixada com base em percentagem máxima de dez por cento do valor das benfeitorias ou dos bens postos à disposição do parceiro;

VII – aplicam-se à parceria agrícola, pecuária, agropecuária, agro-industrial ou extrativa as normas pertinentes ao arrendamento rural, no que couber, bem como as regras do contrato de sociedade, no que não estiver regulado pela presente Lei.

VIII – o proprietário poderá sempre cobrar do parceiro, pelo seu preço de custo, o valor de fertilizantes e inseticidas fornecidos no percentual que corresponder à participação deste, em qualquer das modalidades previstas nas alíneas do inciso VI do caput deste artigo; 

IX – nos casos não previstos nas alíneas do inciso VI do caput deste artigo, a quota adicional do proprietário será fixada com base em percentagem máxima de 10% (dez por cento) do valor das benfeitorias ou dos bens postos à disposição do parceiro.  

§ 1o Parceria rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso específico de imóvel rural, de parte ou partes dele, incluindo, ou não, benfeitorias, outros bens e/ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa vegetal ou mista; e/ou lhe entrega animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias-primas de origem animal, mediante partilha, isolada ou cumulativamente, dos seguintes riscos:               

I – caso fortuito e de força maior do empreendimento rural;                     

II – dos frutos, produtos ou lucros havidos nas proporções que estipularem, observados os limites percentuais estabelecidos no inciso VI do caput deste artigo;                     

III – variações de preço dos frutos obtidos na exploração do empreendimento rural.               

§ 2o As partes contratantes poderão estabelecer a prefixação, em quantidade ou volume, do montante da participação do proprietário, desde que, ao final do contrato, seja realizado o ajustamento do percentual pertencente ao proprietário, de acordo com a produção.                      

§ 3o Eventual adiantamento do montante prefixado não descaracteriza o contrato de parceria.                       

§ 4o Os contratos que prevejam o pagamento do trabalhador, parte em dinheiro e parte em percentual na lavoura cultivada ou em gado tratado, são considerados simples locação de serviço, regulada pela legislação trabalhista, sempre que a direção dos trabalhos seja de inteira e exclusiva responsabilidade do proprietário, locatário do serviço a quem cabe todo o risco, assegurando-se ao locador, pelo menos, a percepção do salário mínimo no cômputo das 2 (duas) parcelas.            

§ 5o O disposto neste artigo não se aplica aos contratos de parceria agroindustrial, de aves e suínos, que serão regulados por lei específica.

Assim como no arrendamento, o contrato de parceria também admite as formas escrita ou verbal, e pode ser por tempo determinado ou indeterminado, no entanto, no último caso, observar-se-á o prazo mínimo de três anos. 

Será admitida a subparceria, constituindo-se na alienação que o parceiro outorgado faz à uma terceira pessoa, dentro da mesma relação contratual, havendo sempre o consentimento e autorização prévia do parceiro outorgante.

Algumas obrigações devem ser consideradas, como a preservação de florestas, e o parceiro outorgado deverá devolver o imóvel da mesma forma que o recebeu, caso contrário, resultará em infração do contrato, gerando punições legais para tanto.

Caberá renovação da parceria, se assim as partes desejarem. Porém, se, ao término do contrato, houver mais pessoas interessadas no negócio, a lei confere direito de preferência ao parceiro outorgado que já estiver explorando o imóvel. O parceiro outorgante poderá optar pela não renovação do contrato, para isso, ele deverá comunicar a outra parte mediante notificação extrajudicial. 

Como dito anteriormente, no contrato de parceria há a partilha tanto dos frutos quanto dos riscos advindos de caso fortuito e/ou força maior, provenientes da relação da exploração da atividade rural exercida pelas partes. 

Segundo o inciso VI do artigo 96 do Estatuto da Terra, na participação dos frutos da parceria, a quota do proprietário deverá respeitar algumas porcentagens, não podendo ser superior a:

a) 20% (vinte por cento), quando concorrer apenas com a terra nua;                 

b) 25% (vinte e cinco por cento), quando concorrer com a terra preparada;           

c)  30% (trinta por cento), quando concorrer com a terra preparada e moradia;             

d) 40% (quarenta por cento), caso concorra com o conjunto básico de benfeitorias, constituído especialmente de casa de moradia, galpões, banheiro para gado, cercas, valas ou currais, conforme o caso;                   

e) 50% (cinqüenta por cento), caso concorra com a terra preparada e o conjunto básico de benfeitorias enumeradas na alínea d deste inciso e mais o fornecimento de máquinas e implementos agrícolas, para atender aos tratos culturais, bem como as sementes e animais de tração, e, no caso de parceria pecuária, com animais de cria em proporção superior a 50% (cinqüenta por cento) do número total de cabeças objeto de parceria;                     

f) 75% (setenta e cinco por cento), nas zonas de pecuária ultra-extensiva em que forem os animais de cria em proporção superior a 25% (vinte e cinco por cento) do rebanho e onde se adotarem a meação do leite e a comissão mínima de 5% (cinco por cento) por animal vendido

A lei menciona que o parceiro outorgante poderá cobrar da outra parte, pelo preço de seu custo, o valor dos fertilizantes e inseticidas fornecidos no percentual que corresponder à participação desse. Além disso, no caso de força maior, que resulte na perda total do objeto do contrato, será possível a rescisão do mesmo, e as partes não responderão por perdas e danos, no entanto, tal fato não se aplica no caso de perda parcial, nesse cenário, as partes deverão repartir os prejuízos na proporção de cada contratante.

Assim como no arrendamento, na contratação da parceria deverá obrigatoriamente contar com a anuência expressa de todos proprietários e de seus respectivos cônjuges, como também, ser averbado à margem da matrícula do imóvel.

4. DIFERENÇAS ENTRE ARRENDAMENTO E PARCERIA

Segundo Marcus Reis, os contratos de arrendamento e parceria são muito semelhantes no que concerne à sua natureza jurídica, pois em ambos há cessão de uso e gozo de imóveis ou de áreas rurais, em sua totalidade ou frações de áreas, incluindo ou não outros bens, benfeitorias e facilidades, com o objetivo de neles ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa vegetal ou mista, a outra pessoa ou ao conjunto familiar, pelo proprietário, posseiro ou pessoa que tenha a livre administração dos bens.

O principal aspecto distintivo entre o arrendamento e a parceria rural, porém, consiste no fato de a parceria ceder apenas o uso específico do imóvel, sem que a posse deste seja necessariamente transferida ao parceiro outorgado, ao contrário do que acontece no arrendamento. (Reis, 2021)

Outro ponto diferencial entre essas duas espécies contratuais está na forma de remuneração, já que no arrendamento o cedente recebe certo valor como forma de contraprestação do aluguel pelo uso dos bens cedidos, e na parceria há partilha dos frutos ou lucros havidos, nas proporções estipuladas no contrato, como também, dos riscos advindos de caso fortuito e/ou força maior.

Por fim, as formas de tributação desses contratos também divergem, uma vez que o arrendamento é tributado como renda oriunda de aluguel comum, conforme prevê art. 49, incisos I e II, do RIR/99, já na parceria, o art. 59 do RIR/99, estabelece que as duas partes são tributadas pela exploração de atividade rural na respectiva proporção que lhes cabem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os acordos celebrados no âmbito agrário, mais especificadamente da fase do “dentro da porteira”, necessitam de respaldo jurídico para que sejam bem formalizados e possam trazer proteção para as partes.  Dessa forma, o presente artigo buscou elucidar como funcionam os contratos agrários, dando maior ênfase no arrendamento rural e na parceria, bem como, mostrar a importância desses institutos no apoio dos negócios agrícolas, gerando segurança jurídica.

Salienta-se que apesar dessas duas espécies contratuais serem semelhantes, por possuírem a cessão de uso e gozo de imóveis rurais, elas acabam se distinguindo em diversos pontos. Por isso, a compreensão das necessidades e peculiaridades de cada caso devem ser observadas minuciosamente para definição adequada do tipo de contrato a ser escolhido.

Além disso, é indispensável que os critérios estabelecidos pela legislação, tanto cível quanto agrária, sejam respeitados para que não haja nulidade do ato jurídico pactuado pelos contratantes.


*Elizabeth Cristina Almeida, Advogada, Analista Jurídica de Operações Estruturadas, bacharel em direito pela ESAMC, especialista em Direito Aplicado ao Agronegócio pelo IDCC, membro da Comissão de Agronegócios da OAB Uberlândia, MG.


REFERÊNCIAS

BARROS, Wellington Pacheco. Curso de Direito Agrário / Wellington Pacheco Barros. 9. ed. rev. atual. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2015.

BRASIL. Decreto nº 3.000 de 26 de Março de 1999. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3000.html. Acesso em: 26 de fev. 2023.

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BRASIL. Lei nº 4.504, DE 30 DE NOVEMBRO DE 1964. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4504.htm. Acesso em: 23 de fev. 2023.

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