por Albenir Querubini*
As políticas públicas devem ser compreendidas como instrumentos permanentes do Estado, e não meras escolhas transitórias de um governo específico. Essa distinção é essencial para garantir a continuidade administrativa, a segurança jurídica e a efetividade de direitos fundamentais, como o acesso à terra, à produção de alimentos e à justiça social no campo.
É preciso ficar claro ao leitor que questionar a eficiência de políticas públicas não é um sacrilégio ideológico, mas sim um direito legítimo dos cidadãos, especialmente em respeito aos contribuintes.
Exemplos clássicos são a política agrícola e a política fundiária. Ambas tratam de questões estruturais do país — como o abastecimento alimentar, a regulação do mercado interno, o uso da terra e a inclusão produtiva. Por sua natureza, devem transcender interesses partidários ou ciclos eleitorais e estar ancoradas em evidências, dados concretos e resultados mensuráveis.
Essa exigência de racionalidade e continuidade encontra respaldo direto na Constituição Federal. O § 16 do art. 37, incluído pela Emenda Constitucional nº 109/2021, prevê:
“Os órgãos e entidades da administração pública, individual ou conjuntamente, devem realizar avaliação das políticas públicas, inclusive com divulgação do objeto a ser avaliado e dos resultados alcançados, na forma da lei.”
Esse dispositivo reforça que políticas públicas não podem ser formuladas ou mantidas com base em intuições, ideologias ou pressões eventuais, mas devem estar sujeitas a avaliação contínua, técnica e transparente. O Estado brasileiro tem, portanto, o dever constitucional de mensurar, revisar, aprimorar ou até extinguir programas e ações que não geram resultados efetivos para a sociedade.
Contudo, a ausência de regulamentação legal federal específica sobre os critérios e procedimentos de avaliação, conforme exige a parte final do § 16 (“na forma da lei”), compromete a aplicação plena do dispositivo. Essa lacuna abre espaço para avaliações pontuais, despadronizadas e frequentemente politizadas.
Ainda assim, essa omissão legislativa não isenta o Estado de cumprir o comando constitucional. Os princípios da administração pública — legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência — exigem uma atuação estatal orientada por resultados e responsabilidade com os recursos públicos.
Um exemplo emblemático de política pública problemática é a reforma agrária federal, historicamente marcada por ineficiências, falta de planejamento e baixa capacidade de inclusão produtiva dos beneficiários. Diversos estudos e auditorias apontam que parte expressiva dos assentamentos sofre com abandono, ausência de assistência técnica, precariedade de infraestrutura e falta de resultados sustentáveis, com um alto custo para os contribuintes.
O relatório de auditoria publicado pela Controladoria-Geral da União (CGU) em 2024, relativo ao período de julho de 2018 a junho de 2023, analisou a execução da política de reforma agrária sob responsabilidade do INCRA[1]. A pesquisa abrangeu 518 famílias assentadas em 57 projetos de nove estados. O diagnóstico revelou falhas estruturais graves: falta de acesso regular à água potável, baixa produtividade dos lotes, inexistência de titulação definitiva, carência de crédito rural e apoio técnico. Muitos beneficiários relataram não conseguir sequer produzir o suficiente para subsistência, dependendo de aposentadorias e benefícios sociais. Esse cenário contraria a lógica do instituto da reforma agrária, que foi pensada para formar novos produtores rurais familiares capazes de prover o progresso econômico e social por meio da exploração da atividade agrária em seus lotes de terra.
Esses resultados impõem uma reflexão crítica sobre a manutenção de modelos ineficazes e onerosos ao contribuinte. À luz do § 16 do art. 37, esse tipo de política pública deve ser reavaliada com rigor, com ampla divulgação de seus objetivos, metodologias e resultados. Programas que não cumprem sua função social devem ser reestruturados com base em diagnósticos técnicos, ou até mesmo encerrados caso não ofereçam retorno efetivo à sociedade.
Portanto, respeitar a Constituição significa também exercer uma gestão pública baseada em dados, eficiência e responsabilidade, abandonando o improviso e o clientelismo. A construção de políticas públicas de Estado exige planejamento, avaliação e correção de rumos — em nome do interesse público e da legitimidade da ação governamental, em respeito aos contribuintes e à sociedade como um todo.

*Albenir Querubini é Advogado, Professor de Direito Agrário e Presidente da UBAU.
[1] CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. Relatório de Avaliação Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA. Brasília, julho, 2024, disponível em: < https://eaud.cgu.gov.br/relatorios/download/1407452>.

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