por Laura Giuliani Schmitt e Verônica Althaus*
O agronegócio brasileiro, especialmente o gaúcho, enfrenta uma crise estrutural marcada por custos de produção elevados, perdas bilionárias causadas por eventos climáticos, tensões internacionais e um endividamento crescente que pressiona a sustentabilidade da atividade. Nesse cenário, ressurge a discussão acerca do tema da recuperação judicial como um mecanismo para preservar a atividade e reorganizar passivos. No entanto, o regime deve ser utilizado com consciência, planejamento e cautela, pois ele não é uma solução pronta, mas uma ferramenta estratégica.
Criada para possibilitar uma negociação coletiva e condições diferenciadas de pagamento aos credores, a recuperação judicial pode gerar um fôlego por alguns meses para reorganizar as finanças e garantir a continuidade da atividade produtiva. Contudo, não é um caminho simples: o processo tem custos, expõe publicamente a crise do produtor e há dúvidas jurisprudenciais referentes a sua aplicabilidade eficiente. Portanto, é necessário um planejamento estruturado e uma análise prévia, criteriosa e detalhada, para que se possa avaliar a capacidade do regime, no caso concreto, e trazer resultados positivos de solvência e reestruturação.
As particularidades do setor agrário tornam o processo ainda mais complexo. Apenas os créditos oriundos exclusivamente da atividade rural e devidamente documentados poderão ser incluídos no processo. Além disso, a lei limita o alcance da recuperação judicial, deixando de fora algumas dívidas significativas, como créditos oriundos de atos cooperativos, CPRs físicas, financiamentos recentes para a aquisição de imóveis rurais e cédulas de crédito rural renegociadas.
Essa fragmentação da dívida pode deixar credores relevantes fora do processo e permitir que sigam cobrando de forma individual. O resultado é que o produtor precisa dividir sua energia entre negociações dentro e fora do plano de recuperação judicial, o que pode reduzir drasticamente as chances de êxito da reestruturação.
Outro aspecto delicado é a dimensão familiar da atividade rural. É comum que um casal assine em conjunto financiamentos, CPRs ou garantias. No entanto, o vínculo conjugal por si só não garante a proteção da recuperação. Para ser atingido diretamente pelos efeitos positivos do regime, o cônjuge precisa demonstrar participação efetiva na atividade, por meio do exercício regular e contínuo da produção rural. Ignorar esse ponto pode deixar lacunas e comprometer a efetividade da medida.
Por isso, a recuperação judicial deve ser encarada como uma ferramenta estratégica e excepcional, escolhida no momento oportuno e com consciência de suas limitações. Em alguns casos, outras medidas, se bem planejadas, podem trazer resultados mais rápidos e menos custosos e com menor impacto sobre a imagem do produtor e sua relação com os credores. Isso não significa desprezar a recuperação judicial, mas reconhecer que ela só faz sentido quando sustentada por um diagnóstico sólido e um plano viável e realista.
O enfrentamento da crise no agronegócio demanda, portanto, visão crítica, responsabilidade e cautela. A escolha pela recuperação judicial não pode ser feita de forma apressada ou oportunista, sob risco de agravar a fragilidade financeira e comprometer a credibilidade do produtor. Mais do que nunca, é preciso adotar uma postura consciente, que valorize a preservação da atividade, proteja o patrimônio familiar e assegure condições reais de continuidade, em benefício não apenas do produtor, mas de toda a cadeia produtiva que dele depende.

*Laura Giuliani Schmitt é Advogada da área de Reestruturação de Empresas do escritório SCA – Scalzilli Althaus.
*Verônica Althaus é Sócia do escritório SCA – Scalzilli Althaus.

Deixe um comentário