por Francisco Torma*
O que há em comum entre a prorrogação das operações de investimento contratadas com recursos do BNDES (MCR 11.1.4), a prorrogação das operações de investimento do Pronaf (8.1.25) e a prorrogação das operações de investimento via nova normativa do Conselho Monetário Nacional (Resolução 5.123/2024)?
O uso de uma palavra muito mal compreendida nesse universo agrocreditício: “critério”.
Assim é o texto da Resolução 5.123/2024:
“Ficam as instituições financeiras, a seu critério e nos casos em que a renda da atividade do mutuário tenha sido prejudicada por adversidades climáticas ou dificuldades de comercialização em função de redução dos preços de mercado, autorizadas a renegociar até 100% (cem por cento) do principal das parcelas, vencidas ou vincendas no período de 2 de janeiro a 30 de dezembro de 2024, das operações de crédito rural de investimento relacionadas às culturas de soja e milho e à bovinocultura de carne e leite contratadas e em situação de adimplência até 30 de dezembro de 2023, mantidas as demais cláusulas contratuais e observadas as seguintes condições específicas.”
O texto das demais normativas mencionadas anteriormente e que se encontram dentro do Manual de Crédito Rural seguem o mesmo modelo de texto. Ambos começam afirmando que as instituições financeiras estão autorizadas a prorrogar as operações de investimento “a seu critério”.
Em uma análise superficial podemos entender que, como essa prorrogação está a critério da instituição financeira, ela não é obrigatória. Ou seja, o mutuário não poderá exigir que a instituição promova a alteração do cronograma de pagamento da sua operação de crédito rural.
Entretanto, esta leitura não pode ser considerada a melhor interpretação.
Primeiramente, por absoluta lógica. Se a instituição financeira decide, por sua própria vontade, quais operações pode prorrogar, não há sequer necessidade de estabelecer regras acerca da formalização destas repactuações. Basta que o credor faça a prorrogação de quem bem entender e como melhor lhe convir.
Entretanto, ainda há outro ponto fundamental a ser observado.
Inicialmente, precisamos entender o que significa o termo “critério”.
É esclarecedora a definição que o Dicionário Michaelis proporciona a respeito do significado de “critério”: padrão que serve de base para avaliação, comparação e decisão.
Se estamos afirmando que a forma de prorrogar as operações creditícias está a critério da instituição financeira, não podemos crer que esta possui liberalidade para acolher ou indeferir os pedidos dos produtores rurais mutuários ao seu bel prazer. Ao contrário, a norma determina que a instituição tem o dever de estabelecer o padrão para avaliação, comparação e decisão dos casos que lhes são levados à análise.
Estas regras do jogo devem ser claras, objetivas e, principalmente, transparentes. O mutuário tem o direito de conhecer, antecipadamente, quais são os critérios estabelecidos pela instituição financeira para o acolhimento das solicitações de adesão à alteração do cronograma de pagamento das operações financeiras a partir das regras estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional. Ainda, os critérios estabelecidos não podem ser incompatíveis com as determinações das resoluções e do MCR.
Ocorre que não há, no mundo real, uma prévia definição, a partir de elementos objetivos e analisáveis, dos critérios estabelecidos pela instituição financeira. Na prática, o credor interpreta erroneamente a norma para deferir ou indeferir as solicitações de quem bem entender.
Sem critério algum.
Se não há prévios critérios estabelecidos e divulgados pelo credor, outra leitura não há senão a de que não há critério além dos que já foram estabelecidos na resolução principal emanada do Conselho Monetário Nacional.
Portanto, não pode existir óbice à solicitação do mutuário que atende os requisitos presentes na norma e/ou no Manual de Crédito Rural.
Portanto, na ausência de critérios previamente divulgados pela instituição financeira acerca da aplicabilidade da norma que autoriza a prorrogação da operação de investimento rural, não é possível indeferir a solicitação do produtor rural que demonstra o cumprimento dos requisitos determinados pelo Conselho Monetário Nacional. A negativa pura e simples, sem qualquer tipo de critério técnico, autoriza que o mutuário tome todas as medidas possíveis para buscar a garantia do seu direito, inclusive as judiciais.
*Francisco Torma é advogado agrarista, especialista em direito tributário, especialista em Agronegócio pela ESALQ/USP, coordenador do portal AgroLei, Coordenador da Comissão Nacional de Crédito Rural e Financiamento do Agronegócio da UBAU, Coordenador da Comissão de Direito Agrário e Agronegócio da OAB Ijuí, Coordenador do portal PreparaAgro, professor de direito agrário, palestrante, colunista e escritor. Co-fundador do projeto “Direito Agrário Levado a Sério“. Saiba mais clicando aqui.

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