por FRANCISCO TORMA*

No cenário do endividamento rural no Brasil, que se agrava com eventos climáticos e econômicos desfavoráveis, é fundamental revisitar estratégias utilizadas em outros tempos como a securitização de dívidas e o Programa Especial de Saneamento de Ativos (PESA). A situação dos produtores rurais do Rio Grande do Sul, afetados nos últimos anos por secas e enchentes, ilustra a urgência de medidas eficazes para aliviar o peso das dívidas, principalmente as de curto prazo, que dificultam o acesso a novos financiamentos. Entender como funcionaram essas ferramentas mostra-se relevante para repensar nosso futuro.

A Lei nº 9.138/95 foi um marco no processo de securitização da dívida agrícola, autorizando o alongamento de dívidas de produtores rurais até R$ 200 mil, com o Tesouro Nacional emitindo títulos como garantia. Os produtores passaram a dever para o Tesouro, e os bancos permaneceram como garantidores, com possibilidade de débito em suas reservas no Banco Central. A lei também estabeleceu um prazo mínimo de sete anos para o alongamento, com juros de 3% ao ano. A Resolução nº 2.238/96 do Conselho Monetário Nacional (CMN) regulamentou essa primeira fase de renegociação, permitindo que produtores com dívidas acima de R$ 200 mil ou que não foram contemplados inicialmente também pudessem renegociar suas dívidas.

Já o Programa Especial de Saneamento de Ativos (PESA), criado pela Resolução CMN nº 2.471/98, foi direcionado a agricultores com dívidas superiores a R$ 200 mil. O PESA ofereceu condições especiais para a renegociação, como prazos mais longos e taxas de juros reduzidas, embora sem equalização de encargos financeiros pelo Tesouro Nacional. Para participar, os agricultores precisavam adquirir Certificados do Tesouro Nacional (CTN), cujo valor correspondia ao montante da dívida a ser renegociada, entregando-os aos bancos como garantia. O custo de aquisição dos CTNs era de aproximadamente 10,37% do valor original da dívida, com o restante (juros) a ser pago ao longo do tempo. As taxas de juros variavam de 8% a 10% ao ano, dependendo do valor da dívida. Em 2001, a Medida Provisória nº 9 reduziu essas taxas para 3%, 4% e 5% e estabeleceu um teto de 9,5% ao ano para a variação do IGP-M. A Lei nº 10.437/2002 estendeu em 23 anos o prazo das dívidas renegociadas pelo PESA, e em 2003, a Resolução nº 3.078 do CMN (PESINHA) renegociou por mais 13 anos as parcelas não pagas do PESA.

Em face da atual crise no Rio Grande do Sul, a aplicação de programas como o PESA e a securitização surge como uma possível solução para o endividamento dos produtores. A estratégia envolveria a criação de um programa de alongamento de dívidas com prazos estendidos e juros reduzidos, com o governo emitindo títulos para garantir as operações. Os bancos receberiam garantias para o valor principal da dívida, e os produtores teriam um alívio no fluxo de caixa, conseguindo honrar seus compromissos e retomar a produção. Para viabilizar essa iniciativa, seria essencial a criação de linhas de crédito emergenciais para custeio e capital de giro, permitindo que os produtores se reorganizem financeiramente. Além disso, o governo poderia emitir títulos para garantir as operações de alongamento, utilizando um mecanismo semelhante ao dos CTNs no PESA. A redução das taxas de juros das dívidas existentes, com a imposição de um limite para a variação da inflação, também se tornaria uma medida imprescindível para evitar o agravamento do endividamento. Por fim, a participação dos bancos no programa, intermediando a aquisição dos títulos e a renegociação das dívidas, seria fundamental para garantir a efetividade da solução.

É imprescindível que o governo aja rapidamente para estabelecer um programa que apoie todos os produtores afetados pelas enchentes e estiagens. As medidas devem ser personalizadas para atender às necessidades de cada produtor, utilizando as experiências do passado como guia para superar a crise e assegurar o futuro do agronegócio brasileiro. A combinação de um programa de renegociação de dívidas, como o PESA, com mecanismos de securitização pode ser um caminho viável para a recuperação financeira do setor. É crucial que o governo, as instituições financeiras e os produtores rurais trabalhem em conjunto para implementar um programa que alivie o endividamento, proteja o patrimônio e garanta a sustentabilidade da atividade agropecuária.


*Francisco Torma é advogado agrarista, especialista em direito tributário, especialista em Agronegócio pela ESALQ/USP, coordenador do portal AgroLei, Coordenador da Comissão Nacional de Crédito Rural e Financiamento do Agronegócio da UBAU, Coordenador da Comissão de Direito Agrário e Agronegócio da OAB Ijuí, Coordenador do portal PreparaAgro, professor de direito agrário, palestrante, colunista e escritor. Co-fundador do projeto “Direito Agrário Levado a Sério“. Saiba mais clicando aqui.

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