Tem erro no Estatuto da Terra

Por Francisco Torma*

Com frequência mencionamos a constante necessidade de atualização da legislação agrária, seja porque a lei não reflete mais os anseios da sociedade, seja porque a lei apresenta equívocos em seu texto.

Um discreto erro na redação do Estatuto da Terra é observado no seu artigo 95, que trata do contrato de arrendamento.

No inciso IV a lei dispõe sobre a preferência que o atual arrendatário possui quando da renovação do contrato, direito este de conhecimento do agrarista.

Veja a redação do mencionado inciso:

Art. 95. Quanto ao arrendamento rural, observar-se-ão os seguintes princípios:

(…)

IV – em igualdade de condições com estranhos, o arrendatário terá preferência à renovação do arrendamento, devendo o proprietário, até 6 (seis) meses antes do vencimento do contrato, fazer-lhe a competente notificação extrajudicial das propostas existentes. Não se verificando a notificação extrajudicial, o contrato considera-se automaticamente renovado, desde que o arrendador, nos 30 (trinta) dias seguintes, não manifeste sua desistência ou formule nova proposta, tudo mediante simples registro de suas declarações no competente Registro de Títulos e Documentos; (Redação dada pela Lei nº 11.443, de 2007)

Percebeu o erro? Pois vamos analisar o artigo.

O que o Estatuto da Terra nos diz é que o arrendatário tem preferência na renovação do arrendamento e que, se não for notificado de outras propostas até seis meses antes do fim do contrato, este estará automaticamente renovado.

Entretanto, o contrato somente será efetivamente renovado se o arrendatário, em até 30 dias a contar da renovação, não desista ou apresente nova proposta.

O erro da redação está justamente no termo “arrendador” utilizado pela lei na segunda parte do artigo, onde deveria estar escrito “arrendatário”.

Sim, porque o arrendador – dono do imóvel rural – não poderia desistir de um contrato já renovado. Se assim fosse, seria absolutamente desnecessária a notificação exigida na primeira parte do artigo.

O mais curioso é que a redação original do Estatuto estava correta. Foi a Lei 11.443/2007 que bagunçou o E.T. ao atualizar sua redação. Veja como estava redigido o inciso IV do art. 95 do Estatuto da Terra originalmente:

IV – em igualdade de condições com estranhos, o arrendatário terá preferência à renovação do arrendamento, devendo o proprietário, até seis meses antes do vencimento do contrato, fazer-lhe a competente notificação das propostas existentes. Não se verificando a notificação, o contrato considera-se automaticamente renovado, desde que o locatário, nos trinta dias seguintes, não manifeste sua desistência ou formule nova proposta, tudo mediante simples registro de suas declarações no competente Registro de Títulos e Documentos;

Observem que a redação original usava o termo “locatário”, mais usual nos contratos de locação urbana. Quando a Lei 11.443/2007 atualizou a redação do E.T., o legislador quis utilizar o termo mais apropriado, mas certamente alguém confundiu arrendatário com arrendador e o texto passou com este erro.

Felizmente a lei não alterou o texto do decreto regulamentador do E.T., de n° 59.566, e lá a redação está correta e retira qualquer dúvida da adequada interpretação. Vejamos o texto do decreto:

Art 22. Em igualdade de condições com terceiros, o arrendatário terá preferência à renovação do arrendamento, devendo o arrendador até 6 (seis) meses antes do vencimento do contrato, notificá-lo das propostas recebidas, instruindo a respectiva notificação com cópia autêntica das mesmas (art. 95, IV do Estatuto da Terra).

§ 1º Na ausência de notificação, o contrato considera-se automaticamente renovado, salvo se o arrendatário, nos 30 (trinta) dias seguintes ao do término do prazo para a notificação manifestar sua desistência ou formular nova proposta (art. 95, IV, do Estatuto da Terra).

Portanto, cabe ao atento agrarista observar a inadequada redação do inciso IV do art. 95 do Estatuto da Terra e aplicar o direito corretamente, utilizando para tanto a correta redação do § 1° do art. 22 do Decreto 59.566/1966.


*FRANCISCO TORMA é advogado agrarista, especialista em direito tributário, pós-graduando no MBA em Agronegócio da ESALQ/USP, coordenador do portal AgroLei, membro da UBAU, professor de direito agrário, palestrante, colunista e escritor. Co-fundador do projeto “Direito Agrário Levado a Sério“.


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Um comentário

  1. Olá amigo Dr Francisco Torma. Estou à procura de um documento chamado Certidão de Posse, que era fornecido pelo INSTITUTO BRASILEIRO DE REFORMA AGRÁRIA ( IBRA)para fins de aposentadoria por tempo de serviço. Seguinte: ainda existe esse documento? E onde o encontro. Nós, meu pai José Joaquim de Brito chegamos neste Assentamento em julho de 1969.

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