por Juarez Ferreira Torma e Francisco Torma*

  1. Introdução

Em muitas cooperativas brasileiras verifica-se uma prática institucional e, principalmente, comunicacional que aproxima o associado da figura de consumidor ou mero usuário de serviços. Essa postura, ainda que sutil, afasta o cooperado da condição real que detém — a de coproprietário e agente ativo da cooperativa.

O cooperativismo, segundo a Lei 5.764/1971, é uma sociedade de pessoas que, reciprocamente, se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, sem objetivar o lucro.  Portanto, tratar o cooperado como cliente é negar sua condição participativa e o sentido de pertencimento que caracteriza o modelo cooperativo.

Esse equívoco conceitual resulta em menor engajamento dos associados, fragilização da governança democrática e despreparo frente às responsabilidades que a função de associado implica.

2. O Associado como Coproprietário, e não como Cliente

Diferente das sociedades empresariais típicas, nas cooperativas o associado não contrata simplesmente um serviço: ele integra a sociedade, participa da sua constituição, das decisões e dos resultados.

De acordo com o art. 4º da lei anteriormente mencionada, “as cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas à falência, constituídas para prestar serviços aos associados”. Assim, o capital não é primordial como nas sociedades capitalistas; o que prevalece é a participação das pessoas.

Se o associ­ado for tratado como cliente, nasce o risco de que ele veja como alheios os direitos de decisão e fiscalização que lhe pertencem, comprometendo a natureza do negócio cooperativo.

3. Princípios Fundamentais do Cooperativismo

O movimento cooperativista mundial, representado pela Aliança Cooperativa Internacional (ACI) e no Brasil pela Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), consolidou sete princípios universais:

  1. Adesão voluntária e livre;
  2. Gestão democrática pelos associados;
  3. Participação econômica dos membros;
  4. Autonomia e independência;
  5. Educação, formação e informação;
  6. Intercooperação;
  7. Interesse pela comunidade.

Dentre eles, para este artigo, destacam-se os princípios da gestão democrática e da educação, formação e informação, pois são diretamente afetados pela percepção equivocada de que o associado é cliente.

4. Gestão Democrática: o Núcleo do Modelo Cooperativo

A gestão democrática é o pilar que define o cooperativismo em oposição aos modelos empresariais. A Lei 5.764/1971, em seu art. 38, dispõe:

A Assembléia Geral dos associados é o órgão supremo da sociedade, dentro dos limites legais e estatutários, tendo poderes para decidir os negócios relativos ao objeto da sociedade e tomar as resoluções convenientes ao desenvolvimento e defesa desta, e suas deliberações vinculam a todos, ainda que ausentes ou discordantes.

Isso implica que o poder decisório pertence aos associados reunidos em Assembleia, e a administração somente executa essas deliberações. Quando a administração assume o poder decisório de forma habitual, a cooperativa se aproxima de uma sociedade empresarial comum, em descompasso com seus princípios.

5. Educação, Formação e Informação: fundamento da Consciência Cooperativista

O princípio da educação, formação e informação assegura que os associados compreendam sua condição, participem de forma consciente e fiscalizem a gestão. A OCB divulga que essa educação compreende “programas e ações voltadas para o desenvolvimento humano e pessoal dos cooperados, com vistas à melhoria da sua qualidade de vida e à compreensão dos princípios e valores do cooperativismo[1].”

Entender que o associado não é mero destinatário de serviços, mas coproprietário e agente, depende da formação contínua. A informação transparente e acessível fortalece a governança e evita que o associado seja passivo.

6. A Natureza Jurídica das Cooperativas

As cooperativas não têm natureza empresarial típica. Como já observamos anteriormente, a Lei 5.764/1971 define a cooperativa como uma sociedade de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas à falência, constituídas para prestar serviços aos associados.

Assim, o cooperativismo apoia-se em mutualidade e solidariedade, não em acumulação de capital ou exploração de mercado. O associado não é cliente e sim membro com responsabilidades, e a confusão de papéis prejudica essa identidade.

7. Conclusão

O associado deve compreender que não é cliente, mas copro­prietário, gestor e fiscal da cooperativa. Sua participação ativa, formação e acesso à informação são fundamentais para o fortalecimento da governança democrá­tica e para a preservação do modelo cooperativista.

Resgatar essa consciência é condição para que as cooperativas continuem sendo sociedades de pessoas — e não empresas travestidas de cooperativas. Somente por meio desse entendimento se garante a legitimidade, autonomia e essência solidária do sistema.


*Juarez Ferreira Torma é advogado desde 1979, formado pela FADISA de Santo Angelo, ex-Juiz Leigo da Comarca de Ijuí, Jubilado pela OAB/RS Ijuí.

*Francisco Torma é advogado agrarista, especialista em Agronegócio pela ESALQ/USP, coordenador do portal AgroLei, Coordenador da CRFA da UBAU, Coordenador da Comissão de Direito Agrário e Agronegócio da OAB Ijuí.


[1] https://rio.coop/wp-content/uploads/2025/08/230714-ocb-crtilhafates-v6-281-29.pdf

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