O seguro agrícola é ferramenta fundamental para a saúde financeira do produtor tomador de crédito, principalmente porque impede o endividamento em caso de frustração de safra ao garantir o pagamento da instituição financeira.
No Brasil, onde o maior operador de crédito rural é o Banco do Brasil, o seguro costuma ser contratado diretamente com a Companhia de Seguros Aliança do Brasil, empresa vinculada ao BB para estas operações. Evidentemente, o produtor pode contratar com outra seguradora, como já demonstramos aqui, mas é fato que a contratação diretamente com a Aliança tem sido a prática mais comum do mercado.
O seguro contratado com o BB/Aliança tem regras próprias que são atualizadas constantemente em um documento denominado “Condições Gerais” ou “Condições Contratuais”. Portanto, quando o produtor contrata seguro com o BB/Aliança, deve saber que todas as regras que regulam o seu contrato não estão na apólice, mas sim neste documento à parte, disponibilizado no próprio site do banco (www.bbseguros.com.br).
O que nos levou a escrever sobre o tema é uma “falha” das regras do seguro agrícola, reprisada constantemente nas “Condições Gerais/Contratuais” que temos conhecimento, e se refere à ausência de penalidade à seguradora quando não houver a realização da perícia no prazo fixado no documento.
É que, segundo o item 22.1 das “Condições Contratuais” (versão 3.0, em vigor a partir de 12/04/2018), quando o produtor comunicar o sinistro, a seguradora deve encaminhar seus peritos ao local da lavoura no prazo de 15 dias úteis (período que já foi de 10 dias corridos em versões anteriores).
Mas e se o perito não vier e a lavoura necessitar colheita urgente, o que acontece?
As normas do seguro agrícola nada esclarecem sobre o que pode ou deve acontecer quando a perícia não é iniciada no prazo mencionado. E nessa ausência de regras escritas, cabe ao Poder Judiciário dar a melhor solução para a questão.
Analisando alguns julgados, constatamos que o Poder Judiciário tem decidido em favor do produtor rural nestas situações, desde que o segurado tome medidas efetivas para demonstrar o seu direito, como, por exemplo, realizar perícia técnica particular ou mesmo resguardar parte da lavoura para realizar perícia posterior.
Vejam estes julgados:
AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO AGRÍCOLA. AUTORIZAÇÃO PARA COLHEITA ANTES DA VISTORIA PELA SEGURADORA. INDENIZAÇÃO DEVIDA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. I. De acordo com o art. 757, caput, do Código Civil, pelo contrato de seguro, o segurador se obriga a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados. Desta forma, os riscos assumidos pelo segurador são exclusivamente os assinalados na apólice, dentro dos limites por ela fixados, não se admitindo a interpretação extensiva, nem analógica. II. No caso em tela, foi negado o pagamento da indenização securitária porque os prejuízos decorrentes do evento danoso foram inferiores à franquia de 20% Ainda, informa a seguradora que não foi possível vistoriar toda a área segurada, na medida em que o autor realizou a colheita antes do comparecimento do perito e sem autorização, o que configura perda do direito à indenização. III. Contudo, as provas documental e testemunhal produzidas nos autos demonstraram que vários segurados foram autorizados a proceder a colheita para, posteriormente, possibilitar o plantio da cultura de verão, deixando, contudo, algumas parcelas do solo para realização da perícia pela seguradora. Ademais, não prospera a alegação de que a vistoria foi realizada dentro do prazo de dez dias previsto nas condições gerais do seguro, pois o sinistro ocorreu nos dias 12.09.2015 e 13.09.2015, enquanto que a vistoria somente foi realizada em 14.11.2015. IV. Assim, é devida a indenização securitária, observado o valor pretendido pela parte autora, já abatida a franquia de 20% contratada, eis que não houve impugnação específica pela requerida. A ré apenas alegou que não foi observada a fórmula de cálculo prevista no contrato de seguro, mas sem apontar o montante que efetivamente que entendia devido. Além disso, trata-se de fórmula complexa, redigida de forma que dificulta a compreensão pelo consumidor, descumprindo o que determinado no art. 54, § 3º, do CDC. V. Majoração dos honorários advocatícios do procurador do autor, observados os limites do art. 85, § 2º, do CPC, a realização de audiência de instrução e julgamento e para afastar o aviltamento da atividade da advocacia, já considerando o trabalho realizado em grau recursal (§ 11). APELAÇÃO DO AUTOR PROVIDA. APELAÇÃO DA RÉ DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70075810093, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge André Pereira Gailhard, Julgado em 29/11/2017)
“Analisando as provas contidas nos autos, verifica-se que a Seguradora descumpriu o prazo de 10 (dez) dias para que fosse realizada a vistoria, tendo em vista que o Apelado comunicou a frustração da safra em 26/02/2004 e, embora tenha iniciado a colheita no dia seguinte, o Apelante somente teria realizado a vistoria em 19/03/2004, portanto além do prazo contratual estabelecido entre as partes. Por outro, o Apelado também estava compelido, pelas circunstâncias climáticas inerentes à colheita, a retirar da terra o produto que restou aproveitável. Desse modo, a sentença corretamente analisou os fatos, não servindo de óbice legítimo o não pagamento do seguro pela seguradora quando não demonstrou satisfatoriamente a impossibilidade de realizar a vistoria na data aprazada, pois não tem razão quando alega a colheita da safra: ‘Mesmo considerando que o aviso de sinistro teria ocorrido em 26.02.2004, a vistoria pela parte ré se deu somente em 19.03.2004, ou seja, após o decurso do prazo de 10 dias, concluindo que a ré também não teria observado o prazo contratual. Consigne-se ainda que a colheita se estendeu até o dia 10 de março de 2004, como se vê no documento de fl. 60, quando poderia também ter sido realizada a vistoria’.” (Apelação Cível n.º 796875-2 – Tribunal de Justiça do Estado do Paraná)
Desta forma, inegável que, ante a ausência de regramentos específicos para o caso da perícia atrasar ou mesmo não ser realizada, não pode o produtor rural sofrer as consequências desta situação, aumentando ainda mais o prejuízo ante eventual inércia em relação à lavoura que necessita imediata colheita.
Desta forma, o Poder Judiciário vem enfrentando a questão e reconhecendo o direito do produtor em colher sua safra no caso da perícia não cumprir o prazo legal.
Da mesma forma, mesmo em situações onde não há descumprimento do prazo por parte da seguradora, mas a urgência da colheita não comporta o transcurso de prazo tão longo (como no caso de um sinistro destruir parcialmente uma lavoura já apta a colheita), também o Judiciário entende que o produtor pode realizar a colheita antes mesmo da perícia, desde que observados os cuidados já mencionados.
FRANCISCO TORMA, advogado agrarista.
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[…] Em qualquer hipótese, nunca colha a lavoura sem autorização da seguradora, exceto nos casos em que a seguradora não cumpra os prazos de vistoria. Sobre o tema, leia este artigo. […]
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