É consenso entre os agraristas – profissionais do direito que efetivamente estudam e aplicam o direito agrário – que existe a necessidade de uma atualização na legislação agrária, para que esta passe a acompanhar e permitir práticas comuns entre os contratantes.
É uníssono o clamor por uma atualização legislativa que possibilite ao produtor rural contratar o preço do arrendamento em produto, prática esta absolutamente disseminada no meio rural e que, ante a atual proibição, acaba causando complicações jurídicas aos contratantes quando o litígio se estabelece.
O Judiciário, via de regra, não reconhece a liquidez do título, dificultando o recebimento do pagamento do arrendamento pelo arrendador e tornando o despejo por inadimplemento muito mais trabalhoso.
Portanto, há um consenso entre agraristas de que o ponto merece atualização.
Entretanto, como uma Kombi sem freios descendo a ladeira, a Medida Provisória 881 resolveu, de um dia para o outro, retirar do Estatuto da Terra todo e qualquer dirigismo estatal dos contratos agrários, sem qualquer debate entre os operadores do direito e o público-alvo da norma, o produtor rural.
A medida, da forma com que proposta, traz graves prejuízos ao produtor rural, como amplamente demonstramos neste artigo.
Um dos grandes problemas da MP881, que me faz retomar o assunto agora, é justamente sua exceção: a livre contratação não é estendida ao produtor familiar. Este permanece com a obrigatoriedade de observar nos seus contratos agrários as regras constantes do Estatuto da Terra e do decreto regulamentador.
Desta forma, ao produtor familiar permaneceria a proibição de contratar o preço do arrendamento em produto, embora – em tese – para todas as demais classes de produtores esta nova forma de contratação seria admitida.
Vamos pensar em um caso concreto: José tem dois imóveis e quer arrendar. Mas tem o costume de arrendar determinando o preço do contrato em sacas de soja. Antonio não é produtor familiar e arrenda um dos imóveis desta forma. Não paga o contrato no primeiro ano e imediatamente é despejado do imóvel, possibilitando que José o arrende para outro produtor.
Manoel é produtor familiar e contrata com José da mesma forma. Também não paga, mas, em razão da cláusula de preço em produto, José não consegue despejar Manoel imediatamente e inicia-se uma briga de 10 anos na justiça.
José decide então nunca mais arrendar suas terras para produtores familiares. Os demais proprietários locais sabem da história e decidem também não contratar com produtores familiares. E Joaquim, produtor familiar honrado, que nunca deixou de arcar com seus compromissos, não consegue mais acesso à terra. Vai viver com sua família em uma favela da cidade mais próxima.
Essa estória visa facilitar a compreensão do que queremos dizer quando afirmamos que a MP881 discrimina o produtor familiar e lhe causa prejuízo.
Justamente por essa má redação da MP881 é que a UBAU apresentou, em reunião na FARSUL, na presença do relator da MP, deputado Jeronimo Goergen, uma alternativa de texto* ao que hoje consta na MP, possibilitando que a fixação do preço em produto (e também a contratação de prazos menores do que o constante no Estatuto, assunto que abordaremos adiante) pudesse ser contratada por todos os produtores rurais, sem qualquer discriminação. Isto sim traria modernização aos contratos agrários com segurança jurídica, ainda que pela via legislativa tortuosa de uma Medida Provisória.
Até o presente momento, entretanto, não houve resposta das autoridades acerca da proposta apresentada pela UBAU, o que preocupa aos agraristas brasileiros, em razão da proximidade da votação da MP no Congresso.
FRANCISCO TORMA, advogado agrarista.
*Quer conhecer a proposta da UBAU para a alteração dos contratos agrários via MP881? Baixe o arquivo: Proposta UBAU – MP 881 – preço e prazo