Por Bárbara Bidese*
O Direito Agrário possui como um de seus objetivos principais a garantia da Segurança Alimentar. Não basta produzir, deve-se produzir bem, com qualidade e responsabilidade no agronegócio, tanto pelo pequeno, médio ou grande produtor rural que engloba as mais diversas relações ligadas à atividade agrária.
Com a modernização da produção as medidas sanitárias para a garantia da segurança alimentar também devem se atualizar. A tecnologia é grande aliada dos produtores rurais hoje em dia e serve como facilitadora no controle da qualidade da produção. Porém, a tecnologia como ferramenta não se resume apenas em dentro da porteira.
Dentro do agronegócio as medidas sanitárias devem ser observadas com seriedade, pois é daí, do início da cadeia produtiva através da condução séria da propriedade que o produtor rural assume um papel de empreendedor responsável e não apenas cultivador.
Desta forma, partimos da premissa de que, nas faculdades de agronomia, veterinária e afins, os temas de rastreabilidade e segurança alimentar são debatidos ou ao menos mencionados. Devemos pensar de forma realística com base em fatos, só assim poderemos chegar a conclusões. Far-se-á uma análise para elucidar o instituto da responsabilidade do agronegócio e rastreabilidade alimentar.
A economia de Vista Alegre do Prata, interior do Rio Grande do Sul, é baseada na agropecuária, logo, a cidade possui incontáveis granjas de produção de proteína animal, tais como frangos ou suínos. As granjas de aves funcionam em sua maioria da seguinte forma: estas aves chegam recém-saídas dos ovos e ficam por aproximadamente vinte e oito dias (depende a empresa que aloja esse tempo pode variar), as aves então, são carregadas e levadas até uma das sedes da empresa para ser abatidas, podendo ser consumidas dentro do país ou exportadas. Dentro desta realidade, as aves produzidas no interior de Vista Alegre do Prata podem chegar até a mesa de um Chinês que mora em Pequim, por exemplo.
Segundo dados recentes da Associação Brasileira de Proteína Animal, o Brasil é o segundo maior produtor de carne de frango no mundo, sendo que 35% da produção é exportada, cerca de 84% de toda a produção do país, advém da região sul. Esses dados conferem ao Brasil de maneira direta a fama de país confiável e responsável, com a produção de aves advindas daqui, daí a segurança alimentar garantida.
Há biossegurança durante toda a produção e barreiras sanitárias importantes que o país adota. Os produtores de frango, por exemplo, recebem treinamentos e assistências constantes das empresas das quais alojam seus animais.
Voltando ao exemplo para entender como o Direito se insere neste meio, devemos seguir o raciocínio: o frango é produzido em Vista Alegre do Prata, abatido na sede da empresa, é exportado, muitas vezes de navio, chega no mercado Chinês, é comprado por um morador de Pequim. Ocorre que, antes do consumo, o cidadão chinês encontra algum problema no produto advindo do Brasil, ou em certos casos, a ave nem chega ao mercado, é barrada ainda na fiscalização aduaneira por conter alguma irregularidade.
Nesta fase, constata-se a importância da tecnologia da produção. Como a empresa vai saber que o produto que apresentou irregularidade foi produzido em Vista Alegre do Prata? Através da rastreabilidade da produção.
Logo, resta a indagação, de quem é a responsabilidade pelo dano causado pelo produto? Seria de todos os envolvidos na cadeia produtiva? Sabe-se que fatos semelhantes ao narrado acontecem com certa frequência, porém, as empresas possuem regras de confidencialidade, o que nos impede de estudar a fundo como isso se aplica fatidicamente.
Há de se pensar em responsabilidade como sendo a obrigação de reparar dano. A Anvisa através de instruções normativas trás ao mundo jurídico especificações de responsabilidades em casos com envolvimento de produtos vegetais e ainda dentro país, o que diverge com o exemplo, mas auxilia o estudo. Neste caso, através da INC 02/2018, este, afirma que, cada ente da cadeia produtiva deverá assegurar a rastreabilidade do produto e possui responsabilidade sobre ele.
Pois bem, no caso em análise se possui conhecimento do dano gerado, também sobre a incidência da responsabilidade da empresa que exportou o produto. Desta forma, o dono do agronegócio em Vista Alegre do Prata pode ser responsabilizado também por esse dano?
Em outro prisma, analisa-se o nexo causal, que nada mais é do que a relação entre efeito e causa. Há de se avaliar o nexo causal da problemática exemplificada em alhures e tirar as devidas conclusões. O efeito é o prejuízo de que alguma forma o consumidor em Pequim sofreu, e assim, deve-se fazer o caminho inverso do produto para encontrar a causa do problema. A rastreabilidade surge como principal aliada para essa descoberta e futura responsabilização, mas sua implementação ainda não é obrigatória neste setor em específico. A própria empresa responsável tem capacidade e tecnologia para detectar em qual etapa ao longo de toda produção se verificou à ocorrência do problema suscitado.
O tema é relativamente novo e pouco se encontra de material disponível para análise e estudo na perspectiva jurídica. Como é popular responder muitas das perguntas dentro do Direito com a palavra “depende” vejo aqui um dos casos em que isso se aplica. Afinal de contas, de quem é a responsabilidade?
O dono do agronegócio sempre sofre algum tipo de penalização, de formas variadas em cada caso. O fato que não muda é: a corda sempre arrebenta para o lado mais fraco, ou seja, o lado do produtor e não da empresa multimilionária exportadora.
No fato em concreto deve-se analisar a responsabilidade com o tipo de contrato que o produtor possui com a empresa, mas, como se sabe, a maioria deles são contratos de adesão. Pode-se levar em conta princípios internacionais de Direito do Consumidor por exemplo, como a responsabilidade civil do fornecedor, elencado no Código de Defesa do Consumidor brasileiro, referindo-a como sendo objetiva e solidária entre todos os elos da cadeia de produção.
Importante se falar também em responsabilidade por vício do produto, que também é elencado no Código de Defesa do Consumidor, onde, em seu parágrafo quinto assegura que, em caso de fornecimento de produtos in natura será responsável perante o consumidor o fornecedor imediato, exceto quando identificado claramente seu produtor. Neste parágrafo em específico, traz-se à tona o questionamento de que, a empresa implementa a rastreabilidade com tecnologia de ponta para disponibilizar ao consumidor maior segurança alimentar ou implementa já se prevenindo para futuras complicações?
Sendo assim, consuma-se acreditando que cada caso é um caso, e o produtor rural, dono do agronegócio muitas vezes corre o risco de “quebrar” por tais problemas com a produção, mesmo não possuindo culpa diretamente. Quando responsabilizado, além de ressarcir o prejuízo da exportação e do consumidor pode ainda ser punido pela empresa exportadora de outras formas mais severas.
Deve-se agir com cautela e se cercar de profissionais capacitados para auxiliar em possíveis problemáticas, seguir as orientações cautelosamente e quando se verificar fatos semelhantes sempre recorrer a ajuda jurídica especializada
*BÁRBARA BIDESE é advogada, inscrita na OAB/RS sob o nº 115.556, pós-graduanda em Direito Agrário e do Agronegócio pela Faculdade do Ministério Público/FMP.
Referências Bibliográficas:
Altas do agronegócio: fatos e números sobre as corporações que controlam o que comemos. Maureen Santos, Verena Glass, organizadoras. – Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, 2018.
Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm. Acesso em: 04/05/2020.
Instrução Normativa Conjunta ANVISA-MAPA nº 02 de 07/02/2018. Ministério da agricultura, agropecuária e desenvolvimento. Disponível em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/camaras-setoriaistematicas/documentos/camaras-setoriais/hortalicas/2019/56deg-ro-hortalicas/inc-02- 2018-e-01-2019-rastreabilidade.pdf . Acesso em: 04/05/2020.
Representação institucional da avicultura e da suinocultura do Brasil. Associação brasileira de proteína animal, relatório 2019. Disponível em: http://abpabr.org/publicacao-relatorio-anual-abpa/ . Acesso em:04/05/2020.