A propriedade intelectual no Agronegócio: a importância da informação de origem

intelectualpor Luiza da Silveira Bavaresco*

É indiscutível o incremento extraordinário na qualidade e quantidade da produção da agropecuária brasileira nos últimos anos, cujas razões estão também vinculadas aos avanços tecnológicos dentro e fora da porteira. Esse efeito veio acompanhado da proteção à Propriedade Intelectual, em que se observa um grau de importância quanto aos direitos autorais na pesquisa de cultivares, ao buscar o melhor desenvolvimento da planta para climas específicos, bem como o destaque e qualificação de determinado manejo do produto, como os orgânicos, ou quanto à sua origem e procedência, como por exemplo os vinhos do vale dos vinhedos ou o arroz do litoral norte gaúcho. De uma forma bastante simplificada diante de sua valorosa contribuição, é possível perceber a extensão da propriedade intelectual dentro do agronegócio.

Fazendo uma breve narração histórica, desde a Antiguidade, utilizam-se sinais para distinguir a propriedade de objetos, sendo com o tempo, desenvolvidas indicações geográficas conforme os produtos, comerciantes e consumidores, tendo em vista que determinados produtos de lugares distintos possuíam características singulares, geralmente atribuídas às origens geográficas, e para tanto foi preciso agregar a denominação da região de origem. A exemplo disso, no século XVI, destilarias gravavam seu nome a fogo nos barris que transportavam seu whisky para possibilitar a identificação pelos consumidores e garantir a exclusividade de uso de seu nome, o mesmo seu deu com os vasos de vidro, conhecidos como Murano, pois fabricados nesta ilha de Veneza, na Itália, servindo então como proteção contra falsificações.[1]

De um modo geral, os consumidores entendem a indicação geográfica como marca dos produtos. Porém, essa caracterização é das mais simples, pois é preciso atentar as especificações de cada classificação dentro da Propriedade Intelectual. Dessa forma, pode-se distinguir marcas de produto, marcas de serviços, marcas coletivas, marcas de certificação, indicação geográfica, entre outros.

No ambiente do agronegócio, quando busca-se identificar, enquanto consumidores, a origem do produto que se está adquirindo, pode-se identificar a Denominação de Origem – DO e a Indicação de Procedência – IP, decorrentes da propriedade industrial. Assim, a Indicação de Procedência é a aquela que visa identificar a origem de um determinado produto ou serviço, de uma determinada região, com reputação específica e reconhecida, capaz de diferenciar esse produto ou serviço de outros similares presentes no mercado. Já a Denominação de Origem atribui essas características distintivas aos fatores naturais e/ou humanos do meio geográfico, sendo qualificadas características específicas relacionadas às condições naturais, como clima, temperatura, umidade e composição do solo, entre outros, bem como características humanas, podendo destacar os saberes e práticas culturais e tradicionais entre gerações.

Por esses aspectos sólidos da Indicação Geográfica, o prazo em que estará em vigor, uma vez concedida a licença para sua utilização, é indeterminado, e atende a toda a coletividade. Ou seja, não está adstrita ao período de vigência de 10 anos como para a proteção de marcas e não está sujeita à renovação do registro. Também, são de uso extensivo, ou seja, aqueles que compartilharem das mesmas condições, podem fazer uso.

No Brasil, o órgão responsável por administrar e fiscalizar essas concessões é uma autarquia federal, o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual – INPI, e é regido pelos acordos internacionais e pela Lei nº 9729/1996, e demais normativos internos. Todo o processo de solicitação de uma Indicação Geográfica se dá administrativamente ao órgão competente, e deve ser precedido de um estudo interdisciplinar com a participação de geógrafo, engenheiros ambientais ou agrônomos, veterinários, dependendo do produto, historiador e advogado para que se comprovem as alegações para que se possa garantir a reputação que a região obteve na produção de determinado bem, face a sua qualidade ou forma de produção.

Mas, por quê isso é importante para o agronegócio? É preciso atentar que a proteção à propriedade intelectual gera uma criação de valor da produção agrícola e, assim, passa a fortalecer as bases socioeconômicas dos sistemas de produção. Além disso, essa compreensão faz parte do patrimônio intangível pertencente aquela região.

Garantir uma produção com selo de qualificação é o comprometimento da entrega de um produto com valor histórico-cultural, que garante uma experiência diferenciada para o consumidor. Ele pode procurar um determinado produto e, dentre uma gama de fornecedores, procurar aquele que estiver mais em conta, porém, nessa escolha também há outras características que diferenciam esses produtos, como a qualidade, e nessa senda, a origem. Isso não pressupõe que os produtos serão piores ou melhores, mas, sim, peculiares e diferenciados, jamais encontrados em produtos feitos em outro local, com originalidade e características próprias.

De outro modo, também permite que aqueles responsáveis por perpetuar uma específica forma de produção, ou em preservar uma característica proveniente de fatores naturais e sua biodiversidade, sejam valorizados pelo seu trabalho e recebam os louros. Há de se proteger bens intangíveis assim decorrentes. Do contrário já vimos, como o caso do cupuaçu brasileiro, registrado por empresa japonesa, impedindo o uso do nome pelos produtores de origem, o qual, inclusive, já foi revertido, mas não menos preocupante.

Outro exemplo, tem-se o café “Antigua”, produzido na região do mesmo nome, na Guatemala, entretanto, 50 milhões de quilos de café são vendidos no mundo inteiro com esse nome. Igualmente, com o chá “Darjeeling”, oriundo da Índia e com 30 milhões de quilos vendidos com o mesmo nome. Isso demonstra a urgência aos países em desenvolvimento na valorização do seu produto e na promoção a essa proteção[2].

Com a criação de valor ao produto imprime-se um aumento na renda do produtor, além de benefícios econômicos (acesso a novos mercados internos e exportação), benefícios sociais e culturais (inserção de produtores ou regiões desfavorecidas), benefícios ambientais (preservação da biodiversidade e dos recursos genéticos locais e a preservação do meio ambiente)[3]. Para os consumidores, por sua vez, há uma maior variedade de produtos à disposição, equalização de preços, o conhecimento do local de origem e processo de produção, além da credibilidade das informações, em virtude da certificação. Logo, trata-se de uma rede positiva para toda a cadeia produtiva, mitigando a ação de possíveis oportunistas.

Todavia, é importante analisar os reflexos de toda a cadeia produtiva no “pós IG”. Esse trabalho tem o condão de continuidade, e para tanto, tem que ser trabalhado em uma análise a longo prazo também. Na pecuária gaúcha, a aplicação da Indicação de Procedência Carne do Pampa Gaúcho da Campanha Meridional, trata-se de um programa de controle eficaz da procedência do animal, a partir da utilização de códigos de barras para que se verifique no site da associação de animal de onde advém o corte de carne que adquiriu, permitindo uma rastreabilidade avançada de produtos. Porém, mesmo sendo a terceira Indicação Geográfica brasileira e única das Américas para carne bovina, foram poucos produtos colocados no mercado, haja vista a falta de recursos financeiros para manter uma estrutura que permita coordenar e controlar a produção dentro das normas estabelecidas na Indicação de Procedência. Hoje, a questão está sendo reavaliada, juntamente com a Embrapa Pecuária Sul, para reestruturação[4].

Por isso, é preciso engajar os órgãos de apoio à agropecuária nessa caminhada, para que seja possível traçar caminhos firmes e seguros, quando concedida a indicação geográfica. É de suma importância para todos os envolvidos daquela região que o projeto traga resultados positivos, afinal não é um projeto de trâmite rápido dentro do INPI e de fácil criação. Por isso, as condições de protocolo de utilização da IG, requeridas e concedidas junto ao INPI, tem que ser praticáveis no curto, médio e longo prazo.

Os envolvidos estão além dos produtores requerentes ao pedido. Isso porque, como dito acima, toda a região pode se beneficiar com a Indicação Geográfica. Esse foi o caso da Indicação de Procedência Vale dos Vinhedos, que engloba as cidades de Bento Gonçalves, Garibaldi e Monte Belo do Sul, sendo a primeira IP reconhecida no Brasil em 2002, e posteriormente também alcançada como Denominação de Origem, mas que alavancou outros depósitos de Indicação de Procedência no INPI, como a IP Pinto Bandeira, Altos Montes, Região de Monte Belo, Vales da Uva Goethe e Farroupilha, todas na Serra Gaúcha.[5] Isso fez movimentar todo o setor que envolve a uva e o vinho, de modo que trouxe investimentos importantes no ramo da gastronomia e do turismo, beneficiando de sobremaneira toda a economia local.

Por fim, o benefício não dito até aqui e que com certeza é o mais interessante deste processo, é o orgulho regional que sobressai às pessoas que apresentam espécie de ligação com a região. A aprovação de uma indicação geográfica gera o sentimento de orgulho do seu produto, da sua região, e da sua identidade, o que denota uma valorização social, regional, e também nacional, tanto para consumidores como para os fornecedores.

Como visto, o reflexo da Propriedade Intelectual vai além das fronteiras do Direito, e permeia o agronegócio como um todo, vinculando a terra, a cultura e tradição, a comercialização de um produto reconhecido e qualificado, e a satisfação do consumidor àquele produto. O valor agregado decorrente está presente em toda a cadeia produtiva, e conglobando outros segmentos econômicos, tendo efeitos também sociais e ambientais. Portanto, o fortalecimento de base de determinada comunidade, por meio de um ativo intelectual, demonstra ser um dos fatores importantes no desenvolvimento de parte do agronegócio da atualidade, tendo muito a ser explorado ainda, face a diversidade cultural e ambiental brasileira.

032LUIZA DA SILVEIRA BAVARESCO é  advogada, inscrita na OAB/RS sob nº 98.825, atuante no mercado do agronegócio. Pós-graduada pela UFRGS em Direito do Estado e pós-graduanda em Direito Agrário e do Agronegócio pela FMP. Vice-Presidente da Comissão de Direito Agrário e do Agronegócio da ABA – Região Sul.

[1] BARBOSA, P. M. S., PERALTA, P. P. e FERNANDES, L. R. R. M. V. Encontros e desencontros entre indicações geográficas, marcas de certificação e marcas coletivas. In: LAGE, C. L., WINTER, E. e BARBOSA, P. M. S. (Org.) As diversas faces da propriedade intelectual. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2013, p.141-173. Pg. 3.

[2] Brasil. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Curso de propriedade intelectual & inovação no agronegócio: Módulo II, indicação geográfica / Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; organização Luiz Otávio Pimentel – 4ª ed. – Florianópolis: MAPA, Florianópolis: FUNJAB, 2014. Pg. 41.

[3] Brasil. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Curso de propriedade intelectual & inovação no agronegócio: Módulo II, indicação geográfica / Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; organização Luiz Otávio Pimentel – 4ª ed. – Florianópolis: MAPA, Florianópolis: FUNJAB, 2014. Pg.46.

[4] Brasil. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa. Reestruturação da Associação dos Produtores de Carne do Pampa Gaúcho da Campanha Meridional – APROPAMPA <https://www.embrapa.br/busca-de-projetos/-/projeto/211096/reestruturacao-da-associacao-dos-produtores-de-carne-do-pampa-gaucho-da-campanha-meridional–apropampa#:~:text=A%20regi%C3%A3o%20Pampa%20Ga%C3%BAcho%20da,Apropampa%2C%20foi%20colocado%20no%20mercado&gt;. Acesso em 07 de junho de 2020.

[5] BRUCH, Kelly Lissandra,SARTORI, Rejane, PERDOMO, Weliton Monteiro. Indicações Geográficas com foco em Aplicações. Santos, Wagna Piler Carvalho dos (org.). Conceitos e aplicações de propriedade intelectual. Vol. II. Salvador: IFBA, 2019. Pg. 447.

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