A Gratuidade da Justiça nas ações possessórias

por Evaldo Martins*

O princípio do acesso à justiça está intimamente ligado aos meios disponibilizados na legislação processual para que a parte possa alcançar a tutela do Judiciário quando não disponibilizar de recursos suficientes.

A Constituição Federal, com forma de resguardar esse direito, definiu em seu artigo 5º, inciso LXXIV, que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.

Nesse ponto, o instituto da gratuidade da justiça veio como uma das formas de concretizar esse princípio constitucional. Com previsão no art. 98 do Código de Processo Civil, a justiça gratuita tem como beneficiário a pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios.

Nos litígios possessórios, infelizmente, ainda existe uma “presunção” ultrapassada utilizada pelo Judiciário de que o indivíduo que possui uma pequena propriedade não pode ser considerado hipossuficiente e por conseguinte não tem direito à justiça gratuita.

Acontece que na legislação processual não há qualquer previsão no sentido de que, se a parte possuir uma propriedade, não gozará dos benefícios da assistência judiciária.

Embora o Código de Processo Civil não tenha consignado critérios quantitativos para que o magistrado pudesse aferir quem tem direito ao benefício da gratuidade, é imprescindível que o Judiciário utilize como parâmetro o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, analisando cada caso concreto, e não critérios meramente aritméticos, como por exemplo, a quantidade de hectares da terra ou valor econômico da área.

A principal consequência de decisões com esse conteúdo é a violação do princípio de acesso à justiça, haja vista que o pequeno proprietário rural fica impossibilitado de conseguir a tutela possessória necessária quando sua posse é turbada/ esbulhada porque não dispõe de meios suficientes para arcar com as custas processuais.

Outra consequência, é a multiplicação de recursos com o objetivo de combater essas decisões, o que contribui para um aumento exacerbado de processos em segunda instância em casos que poderiam ser perfeitamente resolvidos de pronto pelo magistrado de piso.

Além disso, há de ser ponderado pelos julgadores que, nas demandas possessórias – nas quais normalmente se depara com invasões contra o produtor que sobrevive da terra -, a intervenção judicial se revela justamente para restabelecer a situação anterior e permita que o produtor possa retomar suas atividades (leia-se: viabilizar meios de produzir e obter rendimento da exploração rural – sem a qual impossível arcar com as custas judiciais), sem que para tanto exija do prejudicado que custeei tais despesas de forma antecipada (antes da prestação do serviço jurisdicional).

Não raro, os magistrados impõem que o jurisdicionado corrija o valor atribuído à causa (o que, proporcionalmente, eleva as custas judiciais), para que indique o valor de toda a área indicada pelo demandante, e não somente os limites do conflito, fator que contribui injustamente para elevação das referidas despesas.

Ademais, se por um lado tais complicadores dificultam a prestação jurisdicional aos conflitos possessórios, por outro, as custas judiciais de nosso Estado – as mais caras do país e de cujo serviço possui baixa avaliação do CNJ -, não refletem a proporcionalidade do proveito econômico discutido nos processos, posto que possuem toda e qualquer ação que tenha valor superior a 250 mil reais terá a mesma cobrança de custas judiciais (o teto de aproximadamente 23 mil reais), isto é, tanto no conflito envolvendo 200 hectares quanto de 10 mil hectares da mesma região, as custas judiciais terão mesmo valor, embora discrepante a realidade de cada caso, nesse exemplo.

Sente-se extremo rigor pelo patrocínio de causas por advogados particulares em favor de produtores, conquanto o CPC prevê que tal circunstância não impede a concessão da benesse sob comento, dado que inexigível/não obrigatória a escolha da Defensoria Pública para tanto.

Subsiste tamanha resistência, também, ao parcelamento das custas previstas no CPC, o que termina por escancarar a tamanha dificuldade de acesso ao Poder Judiciário.

Por mais que se discuta sobre o excesso de demandas sobre o Poder Judiciário e subsistam louváveis iniciativas de tentativas de composição do litígio em sede extrajudicial (tendência que deve abrandar a sobrecarga ao Judiciário), a cultura brasileira persegue as ações judiciais como meio de obter segurança nos debates em que se envolvem, forçando-se a se valer do serviço jurisdicional para tanto.

Por isso, exigem e esperam que o alto custeio, quando exigível do particular, se reflita em caráter satisfativo, com decisões céleres e seguras, o que não se percebe nos tribunais país a fora, dado que, enquanto se revela um encargo caro, via de regra inalcançável o pagamento à vista e antecipado, o serviço jurisdicional demora e não atende às necessidades dos interessados, esbarrando os produtores rurais na dificuldade de acesso ao Judiciário e, ainda que o remunerem, não são correspondidos à altura, muitas vezes deixando a violação dos seus direitos para resolução direta/autotutela, ausência de interferência estatal que provoca diversos conflitos sociais.

Diante do que foi dito, o que se espera é uma mudança na mentalidade e nos critérios utilizados pelos magistrados no momento de conceder ou não a gratuidade da justiça nas ações possessórias e principalmente que seja feita uma análise justa, baseada nas provas disponibilizadas pelas partes e não com base em presunções, sob pena de permitir o acesso ao Judiciário apenas àqueles possuidores que possuem poder econômico, inclusive por medidas da administração pública que reduzam os custos da prestação do serviço jurisdicional (enxugamento de folha de pagamento, corte de gastos supérfluos e comodidades, investimento em tecnologia e capacitação de servidores, dentre outras).


*Evaldo Martins é Presidente da Comissão de Direito Agrário e Agronegócios da OAB-PI, Graduado pelo Instituto de Ciências Jurídicas e Sociais Professor Camilo Filho, Pós-graduado em Direito Civil e Empresarial, Pós-graduado em Direito Eleitoral, Pós-graduado em Direito Negocial e Imobiliário com ênfase em Direito Agrário e Agronegócio, Mestrando em Resolução de Conflitos e Mediação. e-mail: evaldomartins@martinsesilva.com

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015. Disponível:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm&gt;. Acesso em: 14 de junho de 2021.


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