Cooperativas mentem

por Francisco Torma*

Não existe dúvida de que o cooperativismo é uma das grandes ferramentas de desenvolvimento que o produtor rural dispõe para fazer crescer sua atividade agrária. Com a união de forças entre semelhantes, o produtor consegue posicionar-se no mercado de forma muito mais eficiente do que se fizesse o mesmo movimento sozinho.

Muitas cooperativas cresceram absurdamente e viraram grandes potências no agronegócio, passando a atuar em igualdade de condições com grandes traders internacionais, o que traz concretos benefícios para o produtor associado.

Entretanto, a experiência nos mostra que cooperativas são campo fértil para dirigentes de má índole, que atuam na administração do negócio como se fossem vampiros presos ao pescoço da inocente vítima.

Quando uma cooperativa cresce, ela pode seguir por dois caminhos: o caminho da transparência e da gestão ou o caminho da picaretagem.

E quem decide qual caminho seguir é o associado, através da efetiva fiscalização.

Quando o associado é desinteressado, não percebe que é o proprietário do negócio, participa das assembleias somente para comer o churrasco e vota sem saber do que se trata a votação, abre-se porteiras para as gestões temerárias, como as que frequentemente temos notícias.

O estado do Rio Grande do Sul, que viu surgirem inúmeras cooperativas de grande porte no século passado, hoje acompanha um sem fim de procedimentos de extinção destas associações, que deixaram um rastro de dívidas e produtores desapossados da sua produção.

Aliás, é sobre o processo de extinção das cooperativas que eu quero comentar.

Não raro, cooperativas mentem para o produtor rural mesmo na hora da morte, com o intuito de induzir o associado a aprovar as suas últimas deliberações. Isto acontece quando vendem a ideia de que precisam passar pelo processo de recuperação para voltar aos tempos de glória.

A verdade é que cooperativa tem regramento próprio e não se submete a recuperação judicial ou extrajudicial da Lei 11.101/2005 (salvo exceções jurisprudenciais relativas às cooperativas de crédito).

As cooperativas, quando insustentáveis, passam pelo processo de liquidação, que envolve a arrecadação dos bens, pagamento das dívidas (na forma do quadro geral de credores) e a extinção das atividades, tudo isto na forma da Lei 5.764/1971.

Mas por que então as cooperativas não explicam essa situação para o produtor? Ora, porque diretores insinceros querem que os associados aprovem suas deliberações nas assembleias.

Veja como as liquidações são divulgadas nas mídias regionais:

…(A cooperativa vai) recorrer ao pedido de liquidação extrajudicial com continuidade dos negócios (o equivalente à recuperação judicial)

Olhem essa manchete:

Associados prorrogam o estado de Moratória.

E essa aqui, que mesmo depois da casa cair, segue vendendo a salvação da recuperação:

A promotoria e Polícia Civil fazem uma devassa de busca e apreensão nas unidades da (cooperativa) em várias cidades (…). A operação apura uma série de crimes de uma organização que estaria atuando na empresa envolvendo apropriação de soja e outros produtos dos associados, fraudes em documentos etc., tudo em prejuízo da própria Cooperativa.

Hoje a (Cooperativa) passa por grave crise e tenta uma recuperação judicial. A dívida é estimada em R$ 1,8 bilhão. São 6 mil associados ativos e capacidade para quase 1 milhão de toneladas.

Agora, sei que muitos leitores podem estar pensando: sim, mas eu conheço cooperativas que ingressaram com a liquidação e estão funcionando!

Basicamente, são duas opções para que isto aconteça: ou a cooperativa vai tocando a liquidação enrolando os associados e os credores externos ou ela vai migrando sua atividade para outros CNPJs e deixa as dívidas com o CNPJ mãe da cooperativa.

Dito isto, reitero a minha percepção de que o produtor associado de cooperativa precisa tomar duas medidas: a) compreender que a cooperativa é seu patrimônio e os diretores que ali estão são funcionários contratados para gerir os negócios de acordo com as melhores possibilidades para os seus proprietários e b) exercer a efetiva fiscalização dos atos da diretoria, em assembleia e fora dela.

É isto ou torcer para que dê tudo certo com a cooperativa. De preferência, sem mentiras.


*FRANCISCO TORMA é advogado agrarista, especialista em direito tributário, pós-graduando no MBA em Agronegócio ESALQ/USP, coordenador do portal AgroLei, membro da UBAU, professor de direito agrário, palestrante, colunista e escritor. Co-fundador do projeto “Direito Agrário Levado a Sério“.

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