
Por Francisco Torma*
O Brasil e o mundo acompanham com preocupação a falta de insumos destinados aos setores produtivos dos mais diversos segmentos. Indústria automotiva, construção civil e metalurgia são exemplos de setores muito afetados pela escassez de matéria-prima. Segundo a Confederação Nacional da Indústria, 73% das empresas relataram dificuldade na obtenção de insumos em fevereiro deste ano[1].
No agronegócio, a preocupação não é diferente. No momento em que se iniciam os procedimentos para a formação da lavoura 2021/2022, observamos a falta de insumos agrícolas, notadamente defensivos e fertilizantes. O glifosato é um dos produtos mais escassos no mercado, já que seu principal fornecedor é a China e esta passa por dificuldades para conseguir fornecer este produto aos mercados consumidores[2].
A falta de insumos no Brasil, aliás, já era prevista e alardeada há muito tempo pelo consultor Eduardo Porto[3].
Neste contexto, o produtor que comprou e estocou anteriormente os insumos necessários para a sua produção está com ouro na mão. Ao contrário, o produtor que deixou para adquirir insumos agora, está com muita dificuldade em obtê-los, além de pagar um valor extremamente inflacionado agora.
Entretanto, uma terceira situação tem nos chamado atenção neste momento: a do produtor que adquiriu os insumos anteriormente, mas ficou de recebe-los agora.
Isto porque muitas empresas que comercializam os insumos estão alertando para uma possível inadimplência no fornecimento destes produtos, já que possivelmente não terão mercadoria para entregar ao produtor.
Segundo a Aprosoja, alguns produtores, inclusive, estão relatando o cancelamento dos seus pedidos de insumos[4], realizados antecipadamente, o que causa grande preocupação ao setor.
Mesmo drama de outros carnavais
Este cenário em que o produtor comprou antecipadamente o produto, mas corre o risco de não o receber, nos remete a outra situação há pouco vivenciada pelo setor, a dos contratos a termo (futuros) de grãos.
Ano passado produtores venderam antecipadamente sua produção a preços compatíveis com o mercado da época, e no momento da entrega constataram que o preço de mercado era o dobro do contratual, o que gerou uma grande tensão no mercado. Compradores estavam receosos de não receber o produto previamente adquirido, o que se vê novamente agora, só que com o produtor rural em situação inversa.
Naquela oportunidade, para os produtores que cogitaram rescindir ou mesmo revisar os contratos por conta do aumento do valor do grão, recomendamos o cumprimento dos contratos em razão da impossibilidade de utilizar a teoria da imprevisão como fundamento jurídico da pretensão[5].
Descumprimento de contratos?
Se naquela oportunidade recomendamos que o produtor aguentasse no osso do peito a perda de lucratividade para cumprir os contratos ao invés de embarcar em aventuras jurídicas que lhe causassem mais prejuízo ainda, coerentemente o raciocínio de agora é o mesmo.
Não acreditamos que existam elementos que justifiquem o cancelamento puro e simples, por parte dos fornecedores de insumos, dos pedidos feitos pelos produtores rurais.
Se o fornecedor de insumos não consegue os insumos para entregar ao produtor, é evidente que não há como força-lo a providenciar a entrega, já que sabemos que estamos vivenciando uma escassez de produtos no mercado.
Isto não quer dizer que o fornecedor não deverá responder pelos prejuízos que esta ruptura do acordo causará ao produtor.
É fato que o Poder Judiciário afasta a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas relações comerciais existentes entre o produtor rural e seus fornecedores, mas a questão pode e deve ser enfrentada sob a ótica da legislação civil.
Trata-se de evidente situação de responsabilidade civil do fornecedor de insumos que, ao não efetivar a entrega dos insumos previamente negociados, inviabiliza a cultura do produtor rural ou – no mínimo – diminui substancialmente sua produtividade. Entretanto, para que reste configurada a responsabilidade do fornecedor, é importante que o produtor tome alguns cuidados e adote algumas medidas.
Na ausência dos insumos, o primeiro ponto a ser observado pelo produtor é o seguinte: é possível obter os insumos de outro fornecedor? Se a resposta for positiva, o segundo ponto é: o preço é equivalente ao contrato ora descumprido?
Se for possível adquirir de outro fornecedor pelo mesmo preço do pedido anterior, não há prejuízo. Mas se somente for possível obter o insumo mediante pagamento de preço maior do que o valor do pedido não entregue, a responsabilidade do fornecedor inadimplente poderá recair sobre esta diferença.
Por outro lado, se não for possível obter insumos a esta altura do campeonato, o que fazer?
Se os insumos forem necessários e não tiver como produzir sem eles (sementes e determinados defensivos), a responsabilidade do fornecedor pode ser calculada sobre a lucratividade perdida e eventuais prejuízos ao solo.
Se for possível produzir, mas com perda de qualidade ou quantidade, a responsabilidade pode se limitar a esta perda, que deverá ser quantificada.
De qualquer modo, para todas as situações, é preciso que o produtor se resguarde com todas as provas possíveis, principalmente os laudos técnicos que darão amparo às decisões estratégicas relativas à produção.
É fundamental, para que a questão tenha um bom desfecho, que o produtor tome as melhores medidas para atenuar os prejuízos desta falta de insumos. Tudo o que estiver ao seu alcance para mitigar os prejuízos deve ser feito, limitando uma eventual discussão judicial justamente sobre aquilo que não estava ao seu alcance.
De qualquer modo, é fato que não é aceitável a quebra de contratos e o cancelamento de pedidos de forma unilateral, sem que o produtor concorde. O risco de não obter os insumos comercializados é do fornecedor, assim como é risco do produtor a ocorrência de algum fator que leve à frustração de safra.
Ao vislumbrar, portanto, que os insumos não serão entregues, deve o produtor tomar medidas importantes com sua equipe multidisciplinar tanto para resguardar seus direitos como para provar futuramente a adoção das melhores medidas possíveis para mitigar os prejuízos causados pela inadimplência do seu fornecedor de insumos.

*FRANCISCO TORMA é advogado agrarista, especialista em direito tributário, pós-graduando no MBA em Agronegócio da ESALQ/USP, coordenador do portal AgroLei, membro da UBAU, professor de direito agrário, palestrante, colunista e escritor. Co-fundador do projeto “Direito Agrário Levado a Sério“.
[1] COLORADO S.A. A maior falta de insumos para as empresas em 20 anos. Disponível em: https://www.colorado-sa.com.br/a-maior-falta-de-insumos-para-as-empresas-em-20-anos/. Acesso em: 10 out. 2021.
[2] FEITEN, Patricia. Falta de insumos ameaça lavouras. CORREIO DO POVO. Disponível em: <https://www.correiodopovo.com.br/not%C3%ADcias/rural/falta-de-insumos-amea%C3%A7a-lavouras-1.681647>. Acesso em: 12 out. 2021
[3] PORTO, Eduardo Lima. Entrevista ao Notícias Agrícolas. Disponível em <https://www.noticiasagricolas.com.br/videos/agronegocio/297946-entrevista-com-eduardo-lima-porto-diretor-da-lucrodoagro-sobre-o-glifosato.html#.YWgm2BrMKfA>. Acesso em: 13 out. 2021.
[4] AGROLINK. Ameaça de falta de insumos já é motivo de preocupação. Disponível em: https://www.agrolink.com.br/noticias/ameaca-de-falta-de-insumos-ja-e-motivo-de-preocupacao_456889.html. Acesso em: 10 out. 2021.
[5] TORMA, Francisco. Revisão dos contratos futuros: a bola da vez? AGROLEI. Disponível em: <https://agrolei.com/2021/01/29/revisao-dos-contratos-futuros-a-bola-da-vez/>. Acesso em: 12 out. 2021.
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