Planejamento sucessório em empresas familiares rurais

Patrícia Machado Iserhardt*

O planejamento sucessório visa a utilização de estratégias jurídicas para a organização do patrimônio em vida, antecipando-se as regras de sucessão hereditária e possibilitando a introdução  da sucessão geracional, o que permite a continuidade das empresas familiares rurais, sendo que o processo sucessório gera perdas infinitas e ocasiona diversos conflitos entre os herdeiros se não organizado.

No caso de empresas familiares rurais, ou seja, propriedades rurais com finalidade de agricultura ou pecuária que são coordenadas por famílias, a situação mais simples é representada pelas células familiares elementares, quando a relação entre família e a empresa ainda está na primeira geração, sendo o fundador o pai, mãe ou casal e a sucessão se faz para os filhos.

No Brasil, 70% de todas as propriedades rurais possuem base familiar e os números de empresas que conseguem efetivamente fazer a transição de uma geração para outra são extremamente baixos, a cada 100 empresas, apenas 30% delas irão chegar à segunda geração, apenas 13% chegam à terceira geração e 65% dessas empresas tem o fim baseado em conflitos entre os familiares para realizar a sucessão.

Em se tratando do rural, a transição dos estabelecimentos familiares da geração dos pais para os filhos é prejudicada por diversos fatores, no Rio Grande do Sul, as pesquisas que tratam de compreender os motivos que levam os jovens a deixar o campo citam os fatores estruturais da propriedade e da família, geração de renda, ausência de motivação familiar, desvalorização dos atores que vivem no campo, falta de apoio governamental, baixas opções de escolarização e principalmente uma “crise de expectativas” quanto às possibilidades de os filhos permanecerem no meio rural.

Os impactos da saída dos jovens do campo são diversos, se destaca principalmente o envelhecimento, redução de mão de obra, venda e arrendamento das propriedades e a masculinização do campo. Atualmente, a maioria dos jovens não continua no campo, em alguns casos o negócio familiar rural se encerra após o falecimento de seu fundador, isso se deve em grande parte, pela falta de um planejamento personalizado para as necessidades de cada empresa familiar rural, que abrange diversas linhas de frente, incluindo procedimentos nas áreas cível, tributária, administrativa e de relacionamento entre os indivíduos da família.

Quando a passagem dos negócios, da gestão e dos bens acontece nas empresas familiares rurais temos dois processos a considerar: a sucessão geracional e a sucessão hereditária.  O processo de passagem da gestão entre as gerações é conhecido como sucessão geracional que pode ser entendida pela transferência do controle ou gerenciamento sobre o uso do patrimônio familiar dos pais para os filhos. De modo geral, a sucessão de um estabelecimento rural, é um processo formado por três componentes: a transferência patrimonial, a continuação da atividade profissional familiar e a retirada das gerações mais velhas do comando do negócio.

A sucessão hereditária prevista pela legislação, depende de fatores que estão à frente das instituições sociais e que são esteio de conservação da coletividade, principalmente família e a propriedade. Representam a transmissão dos bens do falecido aos seus herdeiros e é denominada herança, que compreende bens de qualquer natureza e valor econômico, bem como as dívidas e todo passivo deixado pelo autor da herança.

É comum ver nas empresas familiares rurais, as famílias lançando mão de distintos arranjos para garantir a presença dos filhos no papel de sucessores. São estratégias simbólicas que passam pela motivação ao trabalho agrícola e ao viver no rural até mesmo as estratégias materiais como compra de bens em nome dos filhos, terras, investimento em modernização da atividade, entre outros. 

A relação jurídica está totalmente ligada às relações sociais entre os familiares, não se consegue a realização de uma sucessão geracional tranquila sem se valer das relações jurídicas, ou seja, o planejamento da sucessão hereditária. Dentre as estratégias legais de planejamento sucessório disponíveis no sistema jurídico brasileiro, destacam-se o testamento, a doação, partilha em vida, holdings familiares, seguro de vida e previdência privada. Cada família detém uma situação específica, não há uma receita de planejamento que sirva para todas as empresas familiares rurais.

A sucessão é um marco extremamente importante nas empresas familiares, sendo que cada pico de mudança gera enorme instabilidade para a continuidade das empresas, porém em contrapartida gera oportunidade de crescimento. A complexidade da sucessão é originada da responsabilidade que é colocada no futuro herdeiro para se tornar sucessor, com a continuidade tanto da empresa familiar, quanto do legado a ser carregado, havendo a necessidade de analisar aspectos objetivos e materiais e os subjetivos e simbólicos que as empresas familiares carregam.

Nem todo herdeiro será sucessor e nem todo sucessor será escolhido entre os herdeiros, o que torna extremamente importante o estudo quanto ao planejamento sucessório em empresas familiares rurais e a comunicação desta importância aos produtores.

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* Patrícia Machado Iserhardt, Advogada, Pós-graduada em Direito Empresarial, Direito e Processo do Trabalho e Direito e Gestão do Agronegócio. Mestranda em Agronegócios pela UFSM e em Dirección Estratégica de Empresas Familiares pela Universidad Europea del Atlántico – Espanha Presidente da Comissão de Direito Agrário e do Agronegócio da OABRS/JC, membro da CNMAU e da UBAU. Sócia do Escritório Iserhardt & Reginatto Advocacia e Consultoria, focado em assessoria jurídica para Produtores Rurais.


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