A reforma tributária e os impactos no agronegócio brasileiro

tributario2 por Thuany Campbell Brisolla*

Muitos ainda não sabem quais os reais impactos das atuais propostas de Reforma Tributária para o agro brasileiro.

Por isso mesmo, seja você leitor, produtor rural ou consumidor, importante se preparar para um futuro breve, pois há uma grande chance de haver um aumento considerável da carga tributária. E, nesse artigo, explico as possíveis e principais consequências para o segmento.

Atualmente, existem duas principais propostas de Emenda Constitucional tramitando no Congresso Nacional: a PEC 45, da Câmara, e a PEC 110, do Senado.

O Governo Federal ainda não se posicionou sobre o tema, o que só agrava o cenário, tendo em vista que a ausência de sua manifestação em relação às propostas vigentes, e mesmo a falta de apresentação sobre a reformulação para o sistema tributário, faz com que a Comissão Mista instaurada no Congresso continue sendo trabalhada nos moldes como está.

Mas na última sexta-feira, 10/07/2020, Maia e Davi, presidentes da Câmara dos Deputados e Senado, respectivamente, deram ultimato ao Ministro da Economia, Paulo Guedes, para o envio da proposta do governo até o fim desse mês de Julho.

Em relação às PECs existentes que tramitam no Congresso Nacional, apesar de distintas, guardam certa convergência de ideias para a tão esperada “simplificação” do sistema tributário.

E porque simplificar? O objetivo de simplificação é trazer, ao menos em tese, menos contencioso administrativo, a possibilidade de desafogar o Judiciário brasileiro, a redução da quantidade de legislações tributárias esparsas atualmente existentes, além de se permitir uma maior arrecadação, sobretudo do ponto de vista das pessoas jurídicas.

Mas isso não é exatamente o que está previsto para acontecer.

Enquanto a PEC 110 já apresenta pontos de melhoria para o setor do Agro, contemplando peculiaridades do segmento e concedendo tratamento mais diferenciado, a PEC 45 é totalmente destoante da necessidade brasileira e da importância global que o setor representa para o nosso país.

As estatísticas demonstram que o setor Agro representa, aproximadamente, 21% do PIB brasileiro. Além disso, é um setor muito exportador, totalizando 43% das exportações brasileiras.

Segundo o Censo 2017 do IBGE, o último realizado até então, 95% dos produtores rurais atuam em sua pessoa física. E esse fator é um ponto de suma relevância frente à Reforma Tributária.

Isso porque, em ambas as propostas vigentes, há previsão da extinção de cinco ou mais tributos atualmente existentes – como o ICMS, ISS, IPI, PIS, COFINS, entre outros, a depender da PEC – para que sejam convertidos e unificados em um só tributo federal sobre bens e serviços: o IBS.

Ou seja, os produtores rurais pessoas físicas, que não são contribuintes das Contribuições PIS e COFINS, passarão a ser contribuintes do IBS. Em outras palavras, além de passarem a pagar um tributo que não pagavam, terão que aumentar seus custos de compliance para realizar o gerenciamento da antiga modalidade de tributação, da nova simplificação e da não cumulatividade plena.

tributosO resultado disso é não só um aumento relevante da carga tributária para esses produtores, mas também um aumento de custos de gestão, e a instauração de uma verdadeira insegurança jurídica, tendo em vista que não sabemos, ao certo, como manteremos dois sistemas tributários completamente distintos em relação aos tributos sobre o consumo, cuja transição está prevista para ocorrer ao longo de 10 anos.

Como se não bastasse, nossa preocupação não para por aí.

Nas cadeias produtivas e operações realizadas pelo setor do agro são gerados muitos créditos acumulados, decorrentes de exportações e investimentos. E em relação à essa sistemática, ambas as PECs preveem a restituição dos créditos tributários. Mas como isso funcionará na prática? De que forma o crédito vai ser devolvido? Vai ser corrigido pela inflação? Será que os tributos que serão extintos vão poder ser compensados com o novo IBS?

Todos esses questionamentos ainda não foram respondidos com a clareza necessária. Mas fato é que se a restituição não acontecer, a orquestra desafina! Mesmo porque a cadeia operacional no agronegócio é bastante extensa e cada atividade tem sua própria sistemática.

Vemos que o cenário que se instaura até agora é uma verdadeira celeuma, para dentro e fora da porteira.

Outro ponto preocupante que estamos enfrentando é a lastimável crise mundial da pandemia do novo corona vírus, momento em que o governo federal já estima R$800 bilhões de déficit.

Assim, além do aumento de endividamento público, a economia vai sair bastante machucada, o que só potencializa a probabilidade de um expressivo aumento da carga tributária, com o advento da Reforma Tributária.

Nesse ponto, toda essa conjuntura é prejudicial não só ao setor do Agro, mas a todos nós, consumidores, adquirentes, que ficamos responsáveis pelo recolhimento dos tributos sobre o consumo.

Isto é, com a tributação elevada dos insumos agropecuários se onera o consumidor e se agrava a desigualdade social, pois os produtos irão chegar nas casas das pessoas com um valor mais caro. E pior, as vezes nem chegar, justamente por desconsiderar a essencialidade do bem (se são bens de primeira necessidade ou não essenciais).

À título de exemplo, a carne, o pão, o leite, as hortaliças, enfim, todos os produtos terão a mesma alíquota, que está prevista para atingir um patamar entre 20 a 25%.

Assim, os bens, mercadorias e serviços que sequer eram tributados, ou tributados em menor grau, passarão a ter a alíquota única, o que só agrava a regressividade do nosso sistema tributário brasileiro.

O debate se torna ainda mais difícil pelo fato de englobar a extinção de tributos de diversas competências, das quais os Municípios perdem sua autonomia política. Mas isso é tema para outro artigo.

Em se tratando das propostas de emendas apresentadas, segue uma breve pincelada de alguns pontos importantes.

tributoPEC 45:

* prevê o aumento da carga tributária para o produtor rural, além de não atender as peculiaridades do segmento;

* não há previsão de isenção nem benefícios fiscais;

* proposta de uma alíquota única e alta para todos os bens e serviços (pode chegar entre 20% a 25%);

* todos os contribuintes pagam o mesmo tributo sobre os mesmos bens e serviços , indistintamente.

PEC 110:

* contempla algumas peculiaridades para o setor do Agro, permitindo um tratamento adequado e uma alíquota diferenciada para determinados produtos;

* permanece as isenções e benefícios fiscais;

* mantém a Zona Franca de Manaus;

* inclui o PIS e COFINS Importação e também o IOF na lista de tributos que deixarão de existir.

Importante ressaltar que, quando falamos em concessão de tratamento diferenciado ao segmento, não se trata de falar em privilégio, puro e simples. Além do tratamento diferenciado decorrer de uma necessidade econômica específica, decorre de previsão legal (art. 970, do Código Civil) e até mesmo constitucional (art. 3º, incisos II e III, da CF/88).

Isto é, ao setor Agro se concede certos benefícios fiscais – dentre os quais, regimes especiais, diferimentos e isenções – justamente em razão de sua importância para a economia, saúde e alimentação para a população brasileira.

Então, aquela proposta que visa extinguir benefícios e aumentar a carga tributária para esse segmento traduz um completo contrassenso e não respeita os corolários fundamentais do desenvolvimento nacional e da erradicação das desigualdades sociais e regionais.

Não temos condições de onerar ainda mais o produtor rural e a atividade rural como um todo, nem com aumento da carga tributária, nem com trabalho de compliance e gestão fiscal.

Ficamos em meio a esse cenário de incertezas, sem saber o que será aprovado, como e quando será aprovado e o que será refletido da crise econômica atual na reformulação estrutural do Sistema Constitucional Tributário.

Desse modo, é necessário que os players olhem com muita responsabilidade para esse segmento e avaliem o modo como se lançam as operações da vida real, para que, só assim, possam determinar as reformulações necessárias.

Foto_ThuanyBrisolla

Por fim, é necessário que a Reforma Tributária traga uma garantia de efetiva restituição e também de compensação dos créditos tributários. Porque se isso não ocorrer, vai haver incidência indevida em toda a cadeia produtiva, como se o sistema fosse cumulativo. Vai incidir na exportação, vai ser refletido no custo da operação, no fluxo de caixa, na venda ao consumidor final, gerando prejuízos para todos os envolvidos.

*THUANY CAMPBELL BRISOLLA é advogada com atuação no consultivo e planejamento tributário, membro das Comissões de Reforma Tributária, da OAB, de Direito do Agronegócio, da ABA, e pós-graduanda em Direito Tributário e Aduaneiro, pela PUC.

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